segunda-feira, outubro 03, 2005

Vem pra praça, você também!*

Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mais vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?
Guimarães Rosa – Grande sertão:veredas

No final de semana, estava pensando no frei Luiz Flávio Cappio, que faz uma greve de fome contra a transposição do rio São Francisco. Esse projeto é muito antigo. Muito anterior aos últimos 10 anos que andam mencionando por aí. Anterior até aos governos militares, quando ele foi objeto de estudo também, se não me engano, pelo então ministro Mário Andreazza (lembram-se dele?). Vou perguntar ao Márcio ou à Beth, que estão pesquisando sobre o assunto, qual é a data certa da primeira versão concebida para essa obra. Se não me engano, de novo, foi ainda na época do Brasil Império.

Bom, mas não era exatamente sobre o projeto que pensava. Era na força da atitude. Olhem que essa polêmica já rendeu muitas páginas escritas e horas/discurso de reflexão, mas dificilmente conseguia-se mobilizar e envolver as populações ao longo do rio, e fora de suas margens também, para discutir o projeto. Hoje também é difícil, mas a atitude de frei Cappio está atraindo romarias a Cabrobó e mudando a cena. Parece que as palavras já estão cansadas e desgastadas e desacreditadas e definhadas e sem fôlego para sensibilizar as pessoas. Estão jorrando rio afora. E só. Perderam o seu encantamento. Agora é preciso mais. É preciso atitude. Temos fome de fatos. Isso é estranho e compreensível ao mesmo tempo.

Então. Estava pensando nisso, quando o rio dos meus pensamentos foi brutalmente desviado do seu leito. Inadvertidamente, cliquei no site do no mínimo e trombei de frente com um texto de Mario Sergio Conti, sobre blogs, google e emails. Claro que li, né. Mas, meus amigos, antes não o tivesse lido. A desinformação, às vezes, nos faz muito bem. E também à alma. Não. Não foi o fato de ele criticar os blogs que me deixou pasma. Eu até tenho muitos amigos que também não gostam de blogs (rs). Acham sem graça.

Já pensei sobre isso e acho que eles tem uma certa razão. Eu me lembrei de quando brincávamos de qualquer coisa e alguém ficava de fora. Invariavelmente, esse alguém também achava a brincadeira sem graça. Tô brincando, de novo. O fato, é que tenho amigos que não curtem blogs, nem orkuts, nem nada disso. Tenho amigos que nem têm computador em casa. Por opção. É o jeito deles.

Voltando ao Conti, o que me deixou pasma foi a inconsistência das críticas que ele faz a blogs. Até parecia que ele estava escrevendo num blog, de tão frágeis que foram seus comentários sobre essas praças do universo virtual!

Primeiro: exibicionismo. Claro que tem, ó xente! Nós vivemos numa sociedade massificada que impõe, contraditoriamente, a individualização a qualquer custo como única garantia de reconhecimento. E nessa guerra, cada um luta por sua identidade como pode. Alguns têm mais bagagem e não se perdem no meio da multidão. Outros põem piercing no umbigo. Outros se expõem nos reality shows da vida. 15 minutinhos de fama, lembram-se? É assim que é. Então, tem exibicionismo mesmo, mas nem mais nem menos do que em qualquer outra praça do planetinha.

Segundo: violência verbal. Ah tá! Vai dizer que é só em blog que se vê isso. Não acompanhou nenhuma reunião das cpis? Nunca assistiu a um programa do Ratinho, do Tom Cavalcanti, daquele canal de TV que só passa besteirol? Nem de relance? Nunca recebeu spam de sacanagem? Nunca ouviu FoxMc & Fox Mãe ou qualquer funk enlatado desses que rolam por aí nas fms da periferia? A mediocridade graça solta. A crítica tem fundamento, mas essa violência não é exclusividade dos blogs, está em qualquer supermercado.

Terceiro: opinismo. Sem comentários. O que é a nossa imprensa hoje? E nela é pior, porque o opinismo, muitas vezes, vem disfarçado. São poucos os que assumem abertamente suas cartilhas. E eu os admiro, porque com eles podemos dialogar olho no olho. Mas a maioria disfarça, faz de bobo. Nos blogs por onde já andei – é verdade que não foram muitos – mas lá, o opinismo era assumido, autêntico e até ingênuo. Estamos todos no playground da praça. Estamos ainda aprendendo a opinar. Mas um dia vamos crescer.

Quarto: asneira. É. Asneira mermo. Como é asneira jogar tapão, pique de altura, queimada, casinha, rouba bandeira, gol a gol, palitinho, pula maré, batatinha e essas besteiras todas que divertem as crianças. Mas é assim que elas aprendem a se relacionar e a se tornarem adultas, né? Paciência se temos de passar por isso. Pelo menos eu penso assim.

Quinto: verborragia. Nisso ele tem toda razão. Concordo. Houve uma demissão em massa de editores. Eu fui uma das que dispensei o editor. Não dava conta de tanto palpite. Além do mais, não estamos disputando ponto no ibope, mas só pensando, opinando, achando, palpitando, metendo o bedelho onde não somos chamados. Não fazemos questão que nos leiam, pelo menos acho que não, ou será que sim? Bom, mas se quiserem ler, leiam o que está escrito. Se for palavra em excesso...deixem pra depois. Mesmo porque, como estava pensando lá no alto do poste, as palavras já perderam seu encantamento. Mas brincando com elas de novo, quem sabe, elas recuperam sua magia.

Só mais uma coisa que me intriga. Por que alguns jornalistas e escritores tem tanta implicância com blogs? Será que eles pensam que a escrita é monopólio deles? Vou pensar sobre isso. E sobre os blogs da Guerra do Iraque – o retorno; os blogs dos jornalistas; os blogs dos políticos; os blogs de New Orleans, os blogs da crise política, etc, etc, etc.

Au revoir mes enfants!

Bom soninho para todos.

PS: Uau! Depois vou pensar sobre a entrevista de Hugo Chavez. Um dia.

* Já sei, já sei. Não é "vem pra praça, você também"! Ou é "venha pra praça você também" ou "vem pra praça, tu também". Mas aí vai perder a graça. Hehehehe, demiti meu editor, mas estava sentindo falta de um revisor. A minha amiga Chalita ficou de me ajudar sempre que puder. Vou passar os originais para ela fazer uma revisão geral antes de publicá-los. Desconfio que isso vai gerar bons debates. Adoro essas discussões entre escrivinhador e revisor! Ainda mais com Chalita que é uma artista e muito criativa!

2 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei com preguiça de ler o tal artigo do Mario Sergio Conti mas vou opinar assim mesmo. Não li e não gostei. Num país de analfabetos funcionais, haver espaço de manifestação escrita que é utilizado, mesmo que por um público restrito que tem computador, é um passo adiante, né não? Experimenta pedir a um aluno da gradução pra escrever opinando sobre sobre qualquer coisa...
Maria faz uma página nO Tempo, uma vez por semana, sobre blogs. Confesso que nunca tenho vontade de ler (pelo jeito, estou me dando o direito de deixar de ler muita coisa), mas tá lá um tanto de discussão que muitas vezes o sujeito não encontra espaço para fazer pessoalmente. Ademais, acho que não é só você que pensa melhor escrevendo.
Amiga, blog é muito bom. E o seu blog é o máximo.

Anônimo disse...

Brigadinha amiga! Nada como ter amigas delicadas e solidárias, para as horas de desamparo. Estava arrasada quando escrevi esses comentários, embora, claro, procurasse disfarçar. Não é a primeira vez que leio um artigo com esse tipo de crítica e, se não me engano, do mesmo Conti. Fiquei com pena de não incluir os comentários do Chico. Ele também fez uma resenha para o O Tempo e, comentou sobre blogs. Mas não sei onde pus o artigo que ele me passou. Deve estar dentro de alguma pasta em cima da mesa. Uma hora eu acho e volto ao assunto. Ele é crítico aos blogs, mas ele é de uma elegância invejável. Mais uma vez, brigadinha! Manda uma beijim pra Maria.