quinta-feira, outubro 20, 2005

Pensando bem

São José da Costa Rica, coração civil
Me inspire no meu sonho de amor Brasil

Ufa, não foi fácil, mas consegui decidir o meu voto para o referendo de domingo. Depois de uma temporada votando Sim pela manhã e Não a partir do final da tarde, pulei para a fase de votar nulo. Fui tomada por aquele sentimento de recusa radical. Não vou participar da brincadeira!! Mas, depois, esfriei a cabeça, respirei novos ares e voltei a pensar melhor.

Fiquei observando a convicção do Cláudio pelo Sim e a determinação do Rafael pelo Não e me senti meio que desafiada a tomar uma posição também. Eu e o Dani, que ainda estávamos abertos a sugestões, trocamos figurinhas e decidimos pelo Sim. A inspiração veio de uma música do Milton e do Fernando Brant – Coração Civil. Fiquei chocada por não ter me lembrado dessa música antes. Ando muito distraída. Foi preciso ler o artigo do ex-presidente da Costa Rica, Oscar Arias Sánchez, na Folha de um dia desses, para me lembrar dessa música. O artigo de Arias Sánchez foi fundamental também para o meu Sim. Sem dúvida, temos de romper a espiral da violência e o referendo poderá ser a primeira bandeira branca que vamos agitar na praça.


Ia percorrer novamente os caminhos que segui para chegar a essa conclusão, mas desisti. Não é que tenha sido um caminho tortuoso, pelo contrário, mas é que hoje pensei de uma forma diferente, quase encantadora. O Fonte Boa me chamou para ajudá-lo na pré-produção de uma entrevista que vamos fazer para o programa Memória e Poder, da TV Assembléia. A entrevista é com o Hugo Werneck, que, entre outras vivências interessantes que justificaram a escolha do seu nome para o programa, é um espalhador de passarinhos. Vocês sabem o que é isso?

Não é uma profissão qualquer e nem uma atividade muito corriqueira. Exige muita experiência, mas não se aprende na escola. Aprende-se é na lida. Exige também muita paciência e muito esforço. Ou seja, é preciso muito querer. Mas o que autoriza, de fato, alguém se tornar um espalhador de passarinhos é outra coisa. É a capacidade desinteressada, gratuita, espontânea, desprevinida de amar a natureza. Mas não é um amor assim passivo, meramente contemplativo. É um amor farto, que sobra para os lados. Que se oferece à natureza de presente, sem pedir nada em troca. Amor puro, vamos dizer assim.

E o que faz um espalhador de passarinhos? Ele observa o passarinho na sua morada original. Fica dias ali, só de olho. Depois recolhe alguns exemplares da espécie e identifica, em outro ponto do território, um lugar que tenha as mesmas características daquele que hoje abriga o tal bichinho e os solta ali. Pode ser também um local onde essa espécie já habitou e que, por uma razão ou outra, foi obrigado a abandonar. Como Belo Horizonte, que tinha muito bem-te-vi e saíra azul. Aí, chegaram os pardais e detonaram com todas as espécies, para reinarem absolutos. Pardal é uma praga terrível e nem sabe cantar. Aí, o espalhador de passarinho trouxe de volta o bem-te-vi e o saíra azul e hoje já podemos acordar ouvindo o chamado: bem-te-vi! bem-te-vi!. Sacaram?

Bom, mas o que isso tem a ver com o referendo? Nada, ou melhor, ainda não sei direito. O que sei é que ao ouvir essa história me veio à cabeça a idéia do cuidar. A gente fica na cidade, correndo pra lá, pra cá; andando dentro de um carro, de um ônibus apertado; trabalhando em frente de um computador; ligando e desligando aparelhos domésticos de toda sorte de utilidade; e vai se enganando que vivemos num mundo-máquina. Mas não vivemos. Definitivamente, não vivemos. Nós continuamos a fazer parte dessa natureza que está aí, tentando dialogar com a gente, à sua moda, claro. E tome furacão, tome terremoto, tome vírus letais, etc,etc.

Então, fiquei pensando o que seria o cuidar nessa questão do referendo. O cuidar pensando também nas gerações futuras. Aí não tive mais dúvidas. O cuidar é dizer Sim à proibição do comércio das armas e munições (ô perguntinha matreira, hem?). É romper a espiral de violência e comunicar ao mundo que queremos guerrear sim, mas com outras armas. Vamos usar as palavras; os gestos cuidadosos; a atenção redobrada, para ouvir e observar; o silêncio, que pode doer, às vezes, mas não mata; e outras coisinhas delicadas que podemos imaginar e criar se forem necessárias. Foi isso que pensei. Viajei, né?

Estou pensando também sobre quem é que está financiando essas campanhas do referendo. Já consegui a resolução do Tribunal Superior Eleitoral que designa as frentes parlamentares como sendo responsáveis pela arrecadação de recursos, realização dos gastos, enfim, pela administração financeira e prestação de contas das campanhas. Vou ler mais sobre isso e acompanhar a tramitação dessas contas. Ôw, agora fiquei muito curiosa mesmo para saber quem é que está metendo a mão no bolso ou na bolsa para bancar a festa democrática do referendo.

Até mais bichinhos.
E lembrem-se, eles passarão, nós passarinhos!


PS: A letra de Coração Civil, para quem quiser se inspirar no domingo:

Quero a utopia, quero tudo e mais
Quero a felicidade nos olhos de um pai
Quero a alegria muita gente feliz
Quero que a justiça reine em meu país
Quero a liberdade, quero o vinho e o pão
Quero ser amizade, quero amor, prazer
Quero nossa cidade sempre ensolarada
Os meninos e o povo no poder, eu quero ver
São José da Costa Rica, coração civil
Me inspire no meu sonho de amor Brasil
Se o poeta é o que sonha o que vai ser real
Bom sonhar coisas boas que o homem faz
E esperar pelos frutos no quintal
Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder ?
Viva a preguiça viva a malícia que só a gente é que sabe ter
Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida
Eu vivo bem melhor

4 comentários:

Anônimo disse...

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Patrícia, este texto foi o mais cheio de esperança e civilidade que eu li no seu blog. Que coisa boa ler uma coisa assim, tão... ensolarada. Aproveitei para cantar a música, que há anos não ouço.
Só que eu descobri que posso votar nulo e vou votar. Contra o referendo, que é inútil.

patricia duarte disse...

Ei Cris,
Pois é,dá vontade de votar nulo mesmo. Tanta coisa para perguntar e eles me aparecem logo com essa. E o que é pior, nem aproveitaram a oportunidade para discutir direito esse assunto. Atiraram estatísticas pra tudo quanto é lado e soltaram aqueles filmezinhos bonitinhos que marqueteiro adora, mas não discutiram o assunto de jeito nenhum. Você sabia que quem forçou a barra para ter o referendo foi a indústria de armas, para, com essa consulta, tentar derrubar o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento? Pois é. E quem discutiu isso? Ai ai, viu. Mas vou votar sim. Já decidi. bjim

patricia duarte disse...

Agora fiquei sabendo a verdadeira história da volta dos bem-te-vis e das saíras para as árvores de BH. O espalhador de passarinhos explicou que não trouxe nenhuma safra nova para a cidade. O que ele sugeriu ao prefeito foi que plantasse determinados tipos de árvores que fornecem a alimentação desses pássaros. E assim foi feito e assim aconteceu: eles voltaram. Bacana, né?

Agora, o espalhador de passarinhos está distribuindo, nos municípios mineiros que visita, um manual para espalhar borboletas. Ele fez o levantamento das plantas que atraem borboletas e das plantas que atraem as lagartas que alimentam as borboletas. Se forem criados os canteiros dessas plantas nas praças do interior, vamos ter centenas de borboletários no Estado sem nenhum custo extra para o governo. Bacana também, né?