quinta-feira, maio 17, 2007

Missão quase impossível

O mercado, às vezes, tem um comportamento estranho. Não sei se é algum transtorno de personalidade ou se um excesso exagerado de esperteza que nós outros, com nossa estupidez dispersa e delirante, não somos capaz de compreender. Mas não importa. O fato é que o mercado tem seu lado sombra, misterioso, difícil de ser decifrado. Vou demonstrar: o dólar! O que está acontecendo com a moeda do mundo? Porque está despencando em queda livre?

Enquanto dirigia de um lugar para outro da cidade, fiquei ouvindo rádio, para ver se captava algum sinal que me desse uma pista do que estava acontecendo. Nada. O dólar minguado, obviamente, não agrada os setores exportadores. Todo o esforço que fazem para colocar um made in brazil no mercadão do mundo é cada vez menos recompensado. Eles percebem isso muito claramente quando chegam na boca do caixa para trocar, por reais tupiniquins, as verdinhas que conseguiram juntar no final da feira.

Well, isso acontece. Mas, com certeza, os setores importadores e nossos criativos empreendedores, que adoram um made in china para vender a 1,90 nas portinhas dos centros comerciais, estão nadando de braçada. Não estão. As baixas cotações do dólar ainda não se tornaram uma razão suficientemente forte para incentivá-los a comprar mais e mais e mais. Poderiam, mas estão me saindo uns bons munhecas de samambaia. Até deveriam, mas devem estar ocupados com outros negócios e não atentaram para a possibilidade de modernizar suas plantas industriais, importando máquinas e equipamentos baratinhos.

Então, até aqui ninguém se beneficiou desse regime forçado. Se é assim, por que o mercado não reage logo e sai da moita, para socorrer nossos heróicos empresários? Esse é o mistério. Hoje, na hora do almoço, alguém disse ao Sardenberg que o dólar barato beneficia o trabalhador brasileiro. Será? Não vou duvidar, mas também não acredito que o mercado tenha resolvido, assim, de uma hora para outra, finalmente se compadecer com o drama dos infortunados. Não é essa sua missão, pelo contrário. É da sua natureza criar desigualdades e mantê-las assim equilibradamente desiguais. Se os trabalhadores estão ganhando alguma migalha, não tenha dúvida, é só por distração.

Mas deve haver algum setor da nossa complexa economia que está tirando vantagens dessa situação. E muita, não é pouca não. Aí fui consultar o meu assessor para assuntos esotéricos. Perguntei pra ele porque o mercado não encontrava logo um ponto de equilibro pra essa porcaria do dólar, liberando os jornais pra falar de outro assunto? O meu assessor ficou pensativo. Depois de alguns minutos de reflexão falou pausadamente alguma coisa que acho que entendi. Ele é um sábio, mas, às vezes, sabe ser didático também.

Foi assim

- Olhe bem nos meus olhos, moça. Preste atenção, porque não vou repetir. O mercado é volátil, muda de acordo com a correnteza. Mas ele também tem suas preferências. Vamos lá. Os valorosos especuladores financeiros globalizados estão generosamente trazendo suas verdinhas para aplicar no Brasil. Dizem que é porque a nossa economia vai muito bem obrigado.
- Francamente, eu disse pra ele, estamos caminhando, com certeza, mas bem devagarzinho, né?
- Concordo. Mas outros argumentam que esses senhores apostam no Brasil, porque nossos juros são muito melhores do que os de qualquer outra parte do mundo.
- De fato, eu concordei, mas eles também vêm caindo de forma persistente. Por que não afetaram ainda o entusiasmo das viúvas que bancam os coitados dos especuladores?

Nessa hora, achei que meu assessor tinha virado zenbudista e me respondido com um novo mistério. Mas ele não judia de mim e continuou:
- Vamos fazer uma suposição. Um especulador traz US$10 para aplicar no Brasil. O dólar está cotado em R$ 2 reais. Quando ele chega no caixa para converter o seu rico dinheirinho em reais e jogar no nosso mercado, quantos reais o nosso especulador irá obter?
- Fácil, R$ 20.
- Mas, vamos supor que, durante o período da sua aplicação, o dólar tenha se desvalorizado (ou o real se valorizado, o que dá na mesma) e estivesse, na data do vencimento da operação, cotado a R$ 1, 00. Quantos dólares o nosso especulador terá para levar para casa?
- Essa já é mais difícil. Deve ter alguma pegadinha, hem?

Puxei minha calculadora, para não cair em nenhuma armação, mas o resultado exato foi surpreendente. Ele terá exatamente US$ 20. Ou seja, sem fazer nada e sem nem considerar a taxa de juros, o nosso especulador simplesmente dobrou o seu capital. Sacaram?

Pronto, missão cumprida. Podemos mudar de assunto.

Uma sexta-feira regada a bons vinhos importados, canapés de caviar e contidos rendimentos nos fundos de renda fixa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Hahahahahaha aula de economia por aqui?!

Adorei. Mas este senhor, a quem chamamos de mercado, tem um péssimo humor e a todo instante tudo muda. O social? Não parece ser mais tarefa para meus colegas economistas...

Beijos!

Anônimo disse...

Rsrsrs. Viu que atrevimento? Não entendo nada, mas não resisto a inventar as minhas próprias versões.

E vc tem razão mais uma vez. Li sua carta aberta aos economistas e assino em baixo. Embora conheça alguns economistas mais comprometidos com a construção de teorias que refletem práticas inovadoras, com o foco nas pessoas e não no mercado, a regra geral é essa mesmo que vc falou.

Quem quiser ler a carta, o endereço é o seguinte:
http://www.pimentanosolhos.net/?p=392

um abraço