domingo, maio 27, 2007

A Lua Azul

Foto: Pesquei na rede, mas é uma autêntica blue moon

Meninas, tomem cuidado! Ou não, aproveitem! Façam suas escolhas. Mas, seja qual for, essa quinta-feira, indiferentemente, irá nos reservar grandes surpresas. Sim, poderemos nos mirar no exemplo das mulheres celtas. E, como elas, invocaremos Aeval, Aine, Aynia, Bri, Creide, Mah e Sin, as rainhas das fadas. Se tivermos sorte, elas entrarão de sentinela. Mas, para isso, tentem se lembrar. Tentem, tentem! Nem que seja só de um detalhe: um som, uma luz, um vento, um aroma, um sabor, um sonho qualquer de criança. Uma só lembrança e as rainhas das fadas se darão por satisfeitas e nos conduzirão para Sidhe, as colinas encantadas, morada do Povo Pequeno.

Estão acompanhando? Além das lembranças, teremos de encontrar um campo florido ou uma flora numa esquina da cidade, e espalhar calêndulas, verbenas, violetas, prímulas e tomilho pelos caminhos que iremos seguir. E precisaremos levar mel, leite, manteiga, pão, e cristais, para deixarmos como oferendas às rainhas das fadas. Ah!, e não se esqueçam, teremos de fazer também um bulezinho de chá de artemísia, para nos ajudar a ver melhor tudo o que está por vir. E colham algumas gotinhas de orvalho para passarmos nas pálpebras, são fantásticas para clarear nossa visão.

Pois era exatamente assim que as mulheres celtas faziam, quando chegava a noite da Lua Azul. E nesta quinta-feira, é dia dela novamente. Será uma oportunidade, como poucas. Em média, a Lua Azul dá o ar da sua graça apenas uma vez a cada dois anos e sete meses; ou sete vezes a cada dezenove anos; ou ainda trinta e seis vezes num século. Aproveitemos! Não sei pra quê, mas aproveitemos, pois ela é a guardiã de todos os ciclos de transformação, a mãe das mudanças.

Segundo li num e-mail que recebi, a Lua Azul, assim chamada por ser a segunda lua cheia num mesmo mês, nos ensina a importância de seguir nosso caminho sem nos deixar desviar por ilusões que interferiram em nossas visões. E cada vez que nos transformamos, realizando nossas visões, uma nova perspectiva e compreensão se abre, permitindo-nos alcançar outro nível na eterna espiral da evolução do espírito. A última visão a ser alcançada é a decisão de simplesmente ser. Sendo tudo e sendo nada, eliminamos os rótulos e definições que limitam nossa plenitude. Perceberam a importância dessa quinta-feira?

Mas diferente das mulheres celtas, que interpretavam o fenômeno da Lua Azul como uma oportunidade favorável para o contato com o Reino Encantado dos seres da natureza, outros povos criaram novas versões, menos politicamente corretas, para a mesma história. É a segunda opção. O folclorista canadense Philip Scock, após ter pesquisado indícios da origem da Lua Azul, afirma que a expressão é usada desde o século XVI para representar uma lua cheia especial, perigosa, onde pode acontecer o desatino e a alucinação.

A Lua Azul é associada, então, a perigos e desvario, a desafios emocionais difíceis de viver que requerem humildade e despojamento. É considerada um acontecimento de muita força magnética e poder espiritual, onde acontecem profundas purificações emocionais. Se assim for, o melhor, nesta quinta-feira, é ficarmos bem centradas e muito responsável com tudo que fizermos, evitando os confrontos e os excessos. Então, recolham-se! Voltem-se para dentro e deixem-se ficar onde ninguém poderá encontrá-las, até sexta-feira chegar. Acho essa opção esquisita, mas tem gosto pra tudo, né?

Uma semana cheia de inspirações e uma alegre quinta-feira em companhia de todas as fadas.

Para quem tem dúvidas, não se preocupe, Fernando Pessoa também não tinha tanta certeza, embora desejasse.

A Lua
Fernando Pessoa

A Lua (dizem os Ingleses)
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma idéia se perde.

E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.

Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os Ingleses)
É azul de quando em quando.

quarta-feira, maio 23, 2007

Burrice graduada

Sabia que seria assim. A especialização é o caminho mais rápido e fácil para aprofundarmos a nossa ignorância sobre uma determinada área do conhecimento. Tudo é tão ligeiro, que o máximo que conseguimos reter é a nossa triste constatação de que deveríamos saber mais sobre certo assunto. E assim acumulamos planos de estudo infinitos para desenvolvermos quando tivermos mais tempo. Ou seja, para quando nos aposentarmos. É assim que está sendo. E está ótimo, porque sabia que seria assim.

O que não sabia, e não por falta de experiência, mas por ter memória curta, é que, para especializar a minha ignorância, precisaria, necessária e obrigatoriamente, parar de ver tudo o mais que pudesse distrair a minha estupidez delirante. O que isso significa exatamente? Significa exatamente isso. Que, a partir de agora, meus olhos não devem mais passear pelo mundo da vida nem se deter nas pequenas coisas que me atraem, como uma folha caindo de uma árvore, um passarinho ciscando no chão da cozinha ou os gráficos coloridos das pesquisas de opinião.

E essa é justamente a minha especialidade preferida, ser generalista em tudo na vida. Olhar as coisas de longe. Não tão distante que não as perceba, claro, mas nem tão de perto que me acabe envolvida com seus encantos e não veja mais todo o resto. Só que não é possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Saber, ou querer saber, e não saber. Para aprofundar a minha ignorância tenho de fechar o foco. Mirar no alvo e abstrair os entornos. Mais ou menos assim ou um pouco pior.

Por isso ando discutindo só manchetes de jornais; uma palavra que alguém disse no momento em que, por acaso, passava em frente a televisão; ou as notícias que me interessam, mas de sabê-las só de ouvir falar. Que vale que isso passa. Demora um pouco, mas passa. E quando terminar, terei ampliado minha ignorância a tal ponto que, a partir dela descobrirei novas portas, com novos labirintos para serem sobrevoados e apreciados de longe em razantes panorâmicas. É só ter paciência. Terei.

Um restinho de semana meio fora de foco para distrair um pouco, porque ninguém é de ferro.

domingo, maio 20, 2007

É assim que é

Eles passarão, nós passarinhos
Foto: minha outra vez



É a pura verdade. Não duvido de nada dessa pesquisa. Quase metade dos brasileiros tem dois empregos ou faz dupla ou tripla jornada. Segundo a matéria que li no G1, são mais de 4 milhões de brasileiros que estão nessa labuta. Eu diria brasileiras, mas tudo bem, acredito que alguns homens também vivam essa maratona, só que as mulheres, independentemente do número de empregos ou de horas extras que façam, já saem de casa, de manhãzinha, sabendo que, naquele dia e de resto em todos os outros, terão de cumprir tripla jornada. Não sei se é a nossa sina ou se é só um dado que será transformado pelas mudanças culturais que acabarão por vir. Mas é assim que é.

Enquanto não vêm, em 96% dos lares brasileiros onde reside uma mulher, é ela a principal responsável pela execução ou orientação dos afazeres domésticos, não importando se ela tem algum trabalho fora de casa ou não. Pelo menos é isso o que demonstra o Relatório de Direitos Humanos no Brasil de 2005 . E nós sabemos que é assim que é, não sabemos meninas? Entre as 43% de brasileiras que sustentam seus lares sem a ajuda do marido, 54% são responsáveis diretas pelo trabalho doméstico não remunerado. Quando não são elas, quem assume esse trabalho é a sua mãe, ou seja, outra mulher. Se considerarmos também aquelas que não são responsáveis diretas, mas auxiliam de alguma forma, esse percentual sobe para 89%. Entre as que coabitam com marido ou parceiro, 91% são as principais responsáveis e 6% são auxiliares, quer dizer, 97% delas tocam o barco de um jeito ou de outro.

Essa é a sina. Agora vamos à cultura. Vou só copiar. Não vou me dar a mais esse trabalho, de bolar um jeito descontraído de descrever esse quadro dramático. Prestem atenção: em apenas 2% dos domicílios em que há mulheres o trabalho doméstico é chefiado por algum homem (1% o parceiro, 1% outro residente) e em apenas 19% os homens auxiliam nessas tarefas (sendo 10% os parceiros). Nas unidades familiares em que casais coabitam, só 2% dos parceiros são os principais responsáveis pelo trabalho doméstico e 18% auxiliam. Vocês sabem como, não é? Vão comprar pão na padaria, quando precisam também comprar cigarro; aparecem, depois que o risoto está prontinho, só para jogar uma pitadinha de pimenta de biquinho e assim poder dizer que foram eles que deram o toque especial do prato; abrem a garrafa de vinho; e, às vezes, até ajudam a tirar a mesa, para a sobremesa chegar mais rápido. Ai, ai, hem?

Em suma, entre os casais brasileiros, se quase a totalidade dos homens são provedores (93%) e praticamente a totalidade das mulheres executam ou chefiam as tarefas domésticas (97%), quase a metade das mulheres também é provedora (45%), contra apenas 1/5 dos homens que participa do trabalho doméstico (20%). Esse grau de desigualdade na divisão sexual do trabalho social torna evidente como o peso da dupla jornada, com o acúmulo dos trabalhos remunerado e não remunerado tem recaído sobre as mulheres que, por vontade ou necessidade, avançaram em direção a sua autodeterminação.

Mas não é assim em todos os lugares, por isso tenho esperança de que as mudanças culturais virão um dia para transformar essa realidade. Não sei se vocês já leram isso em algum lugar, mas vou repetir, porque assim vocês também poderão entender melhor a razão da minha simpatia pelos ingleses. Eles são uns loucos, tudo bem, mas são admiráveis. Olhem só, eles superaram o preconceito, venceram a preguiça, desceram do pedestal e esqueceram-se de suas mães para assumirem um papel mais relevante ao lado de suas companheiras. Segundo o Departamento Nacional de Estatísticas da Grã Bretanha, desde 1983, 200 mil britânicos já abandonaram seus empregos para cuidar dos filhos e da casa. Do primeiro trimestre de 2006 para o primeiro trimestre deste ano, 3 mil britânicos fizeram essa opção ao invés de buscar o crescimento em suas carreiras. A intensidade desse fenômeno, cada vez mais forte, já caracteriza, portanto, uma tendência.

Se não mudamos muito o nosso jeito de ser, se continuamos achando chique imitar os europeus, não demora muito esse comportamento vai chegar aqui. Vou esperar ansiosa. Se bem que, não sou favorável a mudanças radicais. Basta os brasileiros fazerem a opção por dividirem as tarefas domésticas não remuneradas com as brasileiras, que já vai ficar de bom tamanho. Pra mim, já é sufuciente.

Uma semaninha cheia de novidades e de mudanças culturais importantes e significativas!

Até de repente, que a pia está cheia de pratos me esperando.

quinta-feira, maio 17, 2007

Missão quase impossível

O mercado, às vezes, tem um comportamento estranho. Não sei se é algum transtorno de personalidade ou se um excesso exagerado de esperteza que nós outros, com nossa estupidez dispersa e delirante, não somos capaz de compreender. Mas não importa. O fato é que o mercado tem seu lado sombra, misterioso, difícil de ser decifrado. Vou demonstrar: o dólar! O que está acontecendo com a moeda do mundo? Porque está despencando em queda livre?

Enquanto dirigia de um lugar para outro da cidade, fiquei ouvindo rádio, para ver se captava algum sinal que me desse uma pista do que estava acontecendo. Nada. O dólar minguado, obviamente, não agrada os setores exportadores. Todo o esforço que fazem para colocar um made in brazil no mercadão do mundo é cada vez menos recompensado. Eles percebem isso muito claramente quando chegam na boca do caixa para trocar, por reais tupiniquins, as verdinhas que conseguiram juntar no final da feira.

Well, isso acontece. Mas, com certeza, os setores importadores e nossos criativos empreendedores, que adoram um made in china para vender a 1,90 nas portinhas dos centros comerciais, estão nadando de braçada. Não estão. As baixas cotações do dólar ainda não se tornaram uma razão suficientemente forte para incentivá-los a comprar mais e mais e mais. Poderiam, mas estão me saindo uns bons munhecas de samambaia. Até deveriam, mas devem estar ocupados com outros negócios e não atentaram para a possibilidade de modernizar suas plantas industriais, importando máquinas e equipamentos baratinhos.

Então, até aqui ninguém se beneficiou desse regime forçado. Se é assim, por que o mercado não reage logo e sai da moita, para socorrer nossos heróicos empresários? Esse é o mistério. Hoje, na hora do almoço, alguém disse ao Sardenberg que o dólar barato beneficia o trabalhador brasileiro. Será? Não vou duvidar, mas também não acredito que o mercado tenha resolvido, assim, de uma hora para outra, finalmente se compadecer com o drama dos infortunados. Não é essa sua missão, pelo contrário. É da sua natureza criar desigualdades e mantê-las assim equilibradamente desiguais. Se os trabalhadores estão ganhando alguma migalha, não tenha dúvida, é só por distração.

Mas deve haver algum setor da nossa complexa economia que está tirando vantagens dessa situação. E muita, não é pouca não. Aí fui consultar o meu assessor para assuntos esotéricos. Perguntei pra ele porque o mercado não encontrava logo um ponto de equilibro pra essa porcaria do dólar, liberando os jornais pra falar de outro assunto? O meu assessor ficou pensativo. Depois de alguns minutos de reflexão falou pausadamente alguma coisa que acho que entendi. Ele é um sábio, mas, às vezes, sabe ser didático também.

Foi assim

- Olhe bem nos meus olhos, moça. Preste atenção, porque não vou repetir. O mercado é volátil, muda de acordo com a correnteza. Mas ele também tem suas preferências. Vamos lá. Os valorosos especuladores financeiros globalizados estão generosamente trazendo suas verdinhas para aplicar no Brasil. Dizem que é porque a nossa economia vai muito bem obrigado.
- Francamente, eu disse pra ele, estamos caminhando, com certeza, mas bem devagarzinho, né?
- Concordo. Mas outros argumentam que esses senhores apostam no Brasil, porque nossos juros são muito melhores do que os de qualquer outra parte do mundo.
- De fato, eu concordei, mas eles também vêm caindo de forma persistente. Por que não afetaram ainda o entusiasmo das viúvas que bancam os coitados dos especuladores?

Nessa hora, achei que meu assessor tinha virado zenbudista e me respondido com um novo mistério. Mas ele não judia de mim e continuou:
- Vamos fazer uma suposição. Um especulador traz US$10 para aplicar no Brasil. O dólar está cotado em R$ 2 reais. Quando ele chega no caixa para converter o seu rico dinheirinho em reais e jogar no nosso mercado, quantos reais o nosso especulador irá obter?
- Fácil, R$ 20.
- Mas, vamos supor que, durante o período da sua aplicação, o dólar tenha se desvalorizado (ou o real se valorizado, o que dá na mesma) e estivesse, na data do vencimento da operação, cotado a R$ 1, 00. Quantos dólares o nosso especulador terá para levar para casa?
- Essa já é mais difícil. Deve ter alguma pegadinha, hem?

Puxei minha calculadora, para não cair em nenhuma armação, mas o resultado exato foi surpreendente. Ele terá exatamente US$ 20. Ou seja, sem fazer nada e sem nem considerar a taxa de juros, o nosso especulador simplesmente dobrou o seu capital. Sacaram?

Pronto, missão cumprida. Podemos mudar de assunto.

Uma sexta-feira regada a bons vinhos importados, canapés de caviar e contidos rendimentos nos fundos de renda fixa.

segunda-feira, maio 14, 2007

Com sentido

O papa Bento XVI não é pop. Desconfio que seja cult. Ele não oferece uma compreensão fácil e imediata, como a de um best seller ou de um enlatado desses que passam aos quilos na tevê. Nem se alimenta do senso comum e das coisas mundanas.Ou será que sim? Mas, talvez, não seja esse o problema. Talvez Bento XVI não tenha vindo falar para todos. Pelo menos não para nós, de inteligência simples, de fé cambaleante e devotos cegos de Santa Ignorância.

Por isso, reconheço, para nós, provisoriamente imortais, é mais conveniente acompanhá-lo com uma pauta pronta nas mãos. Depois, com uma cópia do seu pronunciamento na mesa, basta jogar um google, buscar as palavras mágicas e a matéria estará pronta. Mas o que foi mesmo que Bento disse? Não importa. Pauta cumprida. E vamos em frente. Eu estranho, mas entendo.

Não acompanhei toda a agenda de Bento XVI, mas ouvi, e “convidei” os meninos a escutarem também o seu pronunciamento para os jovens. Não obriguei ninguém a ficar na sala, mas argumentei que iriam perder uma boa oportunidade de serem testemunhas da história. Acho que eles acharam isso bacana e ficaram. Fiz isso porque confiei que Bento, certamente, falaria alguma coisa que valeria a pena.

E, tirando a programação cultural da solenidade, a fala foi, de fato, muito proveitosa. Não
me refiro à pauta dos jornais, cumprida disciplinadamente, mas ao pronunciamento original. Claro, depois precisei buscar uma cópia no google para ter certeza de que não me enganará. Tive de ler mais de uma vez, para ter certeza de que o que eu pensava ter entendido era o que estava escrito.

Ainda assim, admito, posso estar enganada. Mas até onde consegui me abstrair da pauta, Bento XVI falou aos jovens sobre o sentido da vida. O que devo fazer para que minha vida tenha sentido? O que devo fazer para que minha vida não transcorra inutilmente? Os jovens não pensam nisso toda hora, mas, se me lembro bem, essas questões eram o pano de fundo de todas as nossas inquietações. Acho que isso não mudou muito hoje. Por isso é bom que alguém os lembre dessas perguntinhas básicas de vez em quando.

Além disso, hoje estamos repletos de conhecimento sobre as nossas exterioridades, mas distantes do nosso labirinto interior e essas questões nos obrigam a um mergulho mais profundo nas águas agitadas da nossa alma. Mesmo que nos deixe sem chão e sem ar por alguns momentos, um mergulho sempre vale a pena. Acho que os jovens precisavam fazer isso. Só que santo de casa não faz milagre. O convite vindo de fora, quem sabe eles fiquem tentados.

Quando ando na rua, também vejo nos olhos dos meninos um enorme déficit de esperança: medo de morrer, medo de sobrar, medo de ficar desconectado, medo de não encontrar um sentido para a vida. E Bento XVI também já viu isso. E sugeriu aos meninos uma ordem para o caos. Se é a que eles escolherão, dependerá de cada um. Mas Bento XVI fez o que tinha de fazer. Alguém, um dias desses, acho que foi o Cony, disse que a Igreja deve ser uma referência para a sociedade e não o contrário. O que Bento ofereceu aos meninos foi isso, uma possibilidade de referência.

Minha avó também tinha um jeito de organizar o caos do mundo. Ela desenhava numa folha de papel uma tabela com quatro colunas. Na primeira, escrevia o nome de suas amigas; na segunda o telefone; na terceira, a última data que falara com elas ou que as visitara, isso, para planejar novas ligações e visitas; e, na última coluna, registrava as baixas, desenhando uma cruzinha. Quando perdia uma amiga, renovava a lista incluindo o nome das filhas da falecida, que passavam a ser suas novas amigas e assim por diante. A mídia já tem outro jeito de organizar o caos. Divide o mundo da vida em editorias e define critérios aleatórios para dizer o que é ou não importante. Enfim, cada um tem seu jeito para dar um sentido a vida.

Mas concordo, não podemos é desperdiçar a vida. E tomara que esses meninos não desperdicem, como tenho certeza de que não irão.

Uma semana plena de sentidos para todos.

terça-feira, maio 08, 2007

Cenas da cidade

Por do sol em Belo Horizonte
Foto: minha

Outro por do sol. Não sei porquê, mas gosto do fim do dia do mesmo tanto que gosto das manhanzinhas. São momentos diferentes. De manhã, quando saio, a cidade está ainda vazia. Vazia em relação ao cheio que estará alguns minutos depois. Mas, é claro, encontro pessoas saindo de casa, na porta da padaria, na praça esperando uma carona ou só andando como eu. Mas ainda vejo espaços vazios, atravesso a rua sem olhar e sem medo, olho o céu, as árvores, os jardins. Dá tempo pra tudo.
No finalzinho do dia é o contrário. A rua está apinhada de carros e gentes. As árvores são vultos que quase nos assombram. Mas nessa hora, estranhamente, me desligo. Ando só comigo mesmo. E escuto bem de longe os ruídos da rua. Olho as pessoas que passam, as casas ainda no escuro, outras com luzes acesas e fico imaginando as histórias que estão sendo contadas ali e invento outras e junto todas numa história só e, quando é possível, sigo em frente. Quando o trânsito pára novamente, retomo o fio da meada. E vou indo. Mas se consigo sair mais cedo e coincide com a hora do por do sol, não penso em nada. Só olho.
O meio do dia é gincana. É só correr atrás. De vez em quando vou até no automático. Nem vejo o tempo passar. E tá valendo também.


Mas para desejar a alguém, o melhor é um restinho de semana, pleno de manhanzinhas e fins de tarde para todos.

domingo, maio 06, 2007

Deus é pai

Um das tantas igrejas que hoje acolhem os fiéis nas periferias das grandes cidades - Foto: minha

Ufa! Pelo menos isso. Ainda acreditamos em deus. Se não fosse o Datafolha, ficaria desconfiada de que nem nele acreditávamos mais. Se bem que basta olharmos a cidade mais devagar para chegarmos a essa mesma conclusão. Basta conversarmos com algumas poucas pessoas, mais próximas ou não, para constatarmos a mesma coisa. Continuamos apostando em nossos santos e santas, apelando para o boss quando a situação fica muito preta e rezando pelos nossos meninos, todas as madrugadas, enquanto esperamos que eles retornem para casa.

Sinceramente, sem nenhuma ironia, não era preciso uma pesquisa inteira para constatar o que está evidente. Nem gastar uma página standart de jornal para fazer uma análise de elevador sobre a nossa fé: subiu tanto, desceu tanto, agora subiu de novo, desceu. Pra que serve isso? E de que nos adianta saber que 86% da população acredita que Maria deu à luz a Jesus! Qual o significado dessa revelação? Me digam, meninas! E o que nos diz essa informação bombástica de que 93% acreditam que Jesus ressuscitou após morrer na cruz?

Será que a pesquisa foi encomendada pela produção do filme Código Da Vinci? Se não é para traçar o perfil do mercado, pois não é esse o caso aqui, deus não está a venda, em que me ajuda saber que as mulheres são mais crentes do que os homens e que a idade média dos católicos é de 40 anos? E seria muito diferente disso, do perfil mesmo da nossa sociedade? Seria diferente, considerando ainda que os menores de 16 anos foram excluídos? E por que foram excluídos? Vou brigar agora pela maioridade espiritual! Mas meninas, me digam, como essas informações vão ajudar Bento XVI a compreender a nossa religiosidade?

Aí é que está. Vou confessar. Com a minha burrice dinâmica, eu também acredito em pesquisa. Também acho que ela nos ajuda a mapear, no conjunto de uma sociedade, os nossos objetos de estudo. Mas para avançarmos na compreensão desses fenômenos, desconfio que precisamos ir mais além. Não só nos porquês e nas conclusões, mas com o próprio instrumento que escolhemos para sondar o universo a ser pesquisado. Não seremos salvos por um dilúvio qualquer de estatísticas. Carecemos menos de percentuais e mais de conteúdos. Necessitamos urgentemente das perguntas certas para chegarmos naquelas respostas que irão nos informar para além do óbvio.

E, fico pensando, precisamos aprender a ser tão complexos como é complexa hoje a nossa sociedade. Importa menos saber o que um sujeito pensa, mas como ele pensa determinados assuntos, para compreendermos, de forma mais radical, as razões que o levam a agir assim e não assado. Dependemos mais disso do que dos percentuais, para construirmos uma rede bem costurada de informações que nos diga alguma coisa que valha a pena.

Fico, humildemente pensando, que o questionário aplicado pelo Datafolha era bastante adequado para mapearmos os perfis de um mercado consumidor, mas não para compreendermos o papel da religiosidade na nossa sociedade. Recolhida na minha insignificância, fico matutando que essas informações são muito boas para formatar infográficos coloridos e ilustrados, mas não para nos desvendar uma realidade desconhecida.

Olhem só, meninas: até um tempo atrás, nos apegávamos a deus para escaparmos da morte absoluta. O nada, eternamente. Mas num mundo descartável, quem ainda pensa numa vida para sempre? Submetidos à hegemonia da ciência, quem ainda confia numa reza, mesmo que vinda do fundo da alma, se esta não vier acompanhada de aspirina, azitromicina e outros inas em doses certas e cavalares? Concordo que ainda temos os olhos voltados para o céu, mas não estamos agora procurando deus, estamos atrás de novos planetas habitáveis, que é para onde vamos escapar se, um dia, a terra nos faltar.

Nesse mundo tão diferente do que já foi, porque ainda cultivamos a nossa religiosidade? Qual a sua influência nas escolhas que fazemos? Qual o seu peso nas decisões que tomamos? O que esperamos de nossa fé, quando enfrentamos dificuldades? Quais as respostas que buscamos nela, quando estamos afogados num poço de dúvidas? Por que ainda precisamos da fé? E em que medida essa fé nos torna melhores ou piores? Em que medida ela nos torna capaz ou não de mudar o mundo? De, através dela, construírmos um mundo mais fraterno? Essas eram algumas das perguntas que gostaria de ver respondidas nessa pesquisa da Datafolha. Mas, parece, vai ficar para uma outra vez.

Um finzinho de domingo iluminado para todos, porque isso é sempre bom, mesmo sem sabermos para quê.

Buenas

quinta-feira, maio 03, 2007

Depressa, mas bem devagar

Acho que já disse o que penso sobre os ingleses. Eles são da pá virada mesmo. Olha só a confusão que Tony Blair está aprontando. Um dia, anuncia sua demissão do posto de primeiro-ministro, no outro pede que digam que não é bem assim. Mas isso é o de menos. Pior são os carros ingleses, que têm o volante no lugar do passageiro e, mais grave ainda, os motoristas, que dirigem na mão invertida. Isso pra mim já diz tudo. Mas eles são muito mais desorientados do que parecem e é por isso que gosto deles.

Agora, mais uma vez, eles vêm nos socorrer. Meninas, não era só impressão não, estamos andando, de fato, mais depressa. O ritmo de vida nas grandes cidades aumentou, em média, 10%, nos últimos dez anos. O trem da vida está descarrilado. Quero ir para Malauí. Nos povoados de lá os dias ainda correm mais devagar. Ou para Manama, as duas regiões onde estão situadas as cidades mais lentas entre as 32 pesquisadas por um grupo de ingleses desorientados. No estudo, eles mediram o tempo que 35 adultos levavam para percorrer a pé, em cada uma dessas cidades, a distância de 18,3 metros. Por que não 20 metros? Esses ingleses, hem?

De cronômetro na mão, concluíram que as três cidades mais rápidas do planeta são Cingapura (10,55s), Copenhague (10,82s) e Madri (10,89s). No Brasil, os danados escolheram, para fazer suas medições, a cidade de Curitiba. Quem me explica isso? Temos uma oferta inesgotável de cidades, mais de 5 mil, e os pesquisadores sempre escolhem Curitiba para fazer seus experimentos. Por que?

Uma vez até tentaram me responder, mas não me convenceram. Disseram-me que é porque Curitiba abriga a maior densidade de famílias da classe média, entre todas as cidades brasileiras. Isso significa que as diferenças entre os grupos sociais são menos significativas e produziria comportamentos mais uniformes. Uma pesquisa em Curitiba, portanto, expressaria um resultado mais próximo da realidade. Nunca fui conferir, mas desconfio se esta seria uma boa razão.

Bom, mas isso não vem ao caso. O fato é que os pesquisadores ingleses também escolheram Curitiba e lá os brasileiros gastaram 11,3 segundos para percorrer os 18,3 metros. Tá certo que em Pedra Azul levaríamos mais tempo, mas em São Paulo, por exemplo, acredito que o nosso desempenho não ficaria muito diferente daquele das primeiras no ranking. Deus me livre! Quero ir para Malauí! Lá, os malauienses levaram 31,60 segundos para atravessar essa longa distância!

Mas se não podemos, meninas, deveríamos pelo menos adotar algumas terapias para reduzir esse ritmo. Poderíamos criar o PID - Programa Intensivo de Desaceleração. A primeira medida a ser adotada seria a Terapia do Não. Já estamos testando-a, mas o resultado ainda não pode ser avaliado. A metodologia que adotamos é bastante simples. Ao longo do dia, uma de nós pergunta para outra alguma coisa qualquer. Por exemplo: você quer dançar um tango em San Telmo? Não, claro que não, agora estou ocupada. Passado um tempo, alguém faz outra pergunta: vamos tomar um sorvete de cupuaçu com maracujá? Cruzes! Não! Mais um tempinho, e outra: que tal cem abdominais antes de uma caminhada forçada na Lagoa Seca? Nunca, não! E assim vai. O dia passa e teremos tido oportunidade de falar várias vezes não! Foi a Dani que inventou essa e ela diz que os primeiros resultados têm sido favoráveis, embora ainda não conclusivos.

Parece bobagem, mas, de fato, com o tempo vamos nos acostumando a dizer não e ele passa a sair naturalmente. Mas o grande lance dessa terapia é que ela funciona muito bem também quando estamos no automático. Por exemplo: se estivermos distraídas e alguém vier nos perguntar, assim como quem não quer nada, se poderíamos fazer alguma coisa, mais uma entre tantas outras da nossa agenda superlotada, o Não! sai sem nem percebermos. Mas esse exercício exige persistência. Não é com três ou quatro nãozinhos de nada que vamos recobrar o hábito saudável de dizer não. É preciso muita força de vontade, mesmo porque, ainda não aprendemos a elaborar perguntas que tenham obrigatoriamente respostas negativas. Para algumas, ainda ficamos tentadas a dizer sim. Então, está claro que essa é uma boa terapia, que poderá nos ajudar a andar mais devagar na vida, mas ainda precisa ser muito aprimorada.

Vamos pensando nisso, mas sem pressa, por favor.

Para todos, uma sexta-feira sem compromissos, assim ninguém precisará dizer não, que, cá pra nós, é uma coisa muito desagradável, apesar de saudável.

PS: Se quiserem aproveitar para vadiar por aí, caminhando no meio de uma paisagem deslumbrante, fantástica, enebriante, criada por Don Hong-Oai, um chinês muito, muito sensível e viajandão, entrem aqui