terça-feira, junho 27, 2006

A dúvida indubitável

Ontem estava conversando com uma portuguesa que me confessou estar muito atrapalhada nessa Copa. Não sabe se torce para o Brasil ou para Portugal. E mesmo torcendo para Portugal, se sente, no fundo, torcendo para o Brasil, por conta de Filipão. Essa desordem cívica deixa sua alma dominada pela dúvida. Em estado de suspensão. E dizem mesmo que a dúvida é o bicho. Não discordo de tudo, mas prefiro considerá-la um mal necessário. Mesmo não sendo geminiana, como minha amiga portuguesa, aprendi a lidar com a dúvida desde cedo. Talvez por ser gêmea, que é também um jeito de pertencer a esse signo e trazer na alma uma dúvida original. Não como método, mas como elemento fundamental através do qual me reencontro, sempre que me confundo com minha alma gêmea ou me atrapalho comigo mesma.

A perplexidade de minha amiga portuguesa, portanto, também me acompanha. Tenho dúvidas para quem torcer. E acho que de resto, todos os brasileiros andam assim. Desde que a multinacional Brasil Futebol Clube se instalou nos mais distantes e improváveis países e dominou as equipes mais poderosas do mundo, a dúvida passou a fazer parte, como mal necessário, da personalidade dos torcedores brasileiros. Nessa Copa, só não viramos vacilões ainda, porque a maioria das equipes treinadas por técnicos brasileiros ainda não amadureceram o suficiente para disputar, com perigo, um torneio mundial, mas um dia chegam lá.

Ainda assim, ficamos suspensos na dúvida durante o jogo com o Japão. Se Ronaldinho, o original, não estivesse também em estado de dúvida e precisando muito da nossa torcida, o jogo teria sido puro sofrimento, mesmo com uma vitória. Pra mim foi quase. Quando Japão fez o primeiro gol, fiquei triste e feliz. Feliz por Zico e triste por Parreira. Depois, a cada gol do Brasil, levantava, pulava, comemorava. Aí, aparecia a carinha do Zico na telona e vinha uma ponta de vergonha por estar feliz e uma pontinha de raiva por não poder estar livremente feliz. Puxa vida, porque os japoneses do Zico não são tão bons quanto os nossos? Isso tornaria o jogo mais igual e nos deixaria livres para celebrar o melhor. Mas nada, a vitória tinha de ser de goleada. É claro que, depois, mentalizei a opção de Zico e considerei que a derrota foi escolha dele e comemorei sem remorso. Feliz!

Agora vem Gana. Já havia me comprometido com essa seleção desde o início da Copa, a pedido de Kofi Annan. Vinha torcendo por ela em todos os jogos, na minha ingênua ignorância. Nem passava pela minha cabeça que, mais cedo ou mais tarde, seríamos nós que ela teria de enfrentar. Olho no olho. And now? É pior ainda. Fiquei sabendo disso há poucos dias, mas foi um choque. Gana foi a primeira seleção que Parreira comandou na vida. E com seu trabalho, levou a equipe à final da Copa da África. Cá pra nós, não foi nada assim muito excepcional, mas tem o seu mérito. E, mais grave, como foi a primeira seleção do caderninho de Parreira, com certeza, mora no seu coração. Com certeza Parreira vai ficar na dúvida. Enfrento radicalmente ou enfrento só pro gasto? Derroto ou não derroto? Ó dúvida!, deve estar sofrendo Parreira. Espero que não, mas temo que sim.

Aí, meus amigos do futebol, estou prevendo que esse jogo vai ser outro sofrimento. Vou torcer para que Parreira conheça, como conheço de cor e salteado, a única dica infalível para sairmos da dúvida: a ação. Vou torcer para fazermos um gol nos quatro minutos de jogo. Vou torcer para que Gana continue correndo atrás da bola, como tem feito em todos os jogos, mas que não acerte a rede nem uma vez. Ou uma vezinha só, igual ao Japão. Vou torcer para que Ronaldinho, o original, faça mais um gol e Ronaldinho, o Gaúcho, faça outro e até mais um. Vou torcer para que Gana não perca a categoria e, junto com nossos jogadores, dê um show de bola para o mundo inteiro assistir.

Êita! Depois do Japão e agora Gana, fiquei escolada. Já vou começar a torcer também para que Portugal tenha um desempenho excepcional nessa Copa, mas que não dê de nos enfrentar pela frente nos jogos que ainda faltam. Já pensaram? Parreira versus Filipão? Seria um clássico da dúvida. Eu torceria hora pra um, hora pra outro. Comemoraria se um ou outro ganhasse. E lamentaria se um ou outro perdesse. E, no final, não saberia se estaria feliz ou triste. Isso não vai dar certo nunca! Melhor evitar essa situação. Vou torcer para que o Brasil tenha um desempenho melhor ainda e pegue pela frente Alemanha ou Argentina, esses são clássicos da certeza: sou Brasil de olhos fechados!

Chega de dúvida. Vamos para a ação. Vamos cair na real!
Bom jogo para todos e que vença o melhor: Brasil, é claro!

2 comentários:

Anônimo disse...

"Puxa vida, porque os japoneses do Zico não são tão bons quanto os nossos? "
Que delícia de frase, Patrícia, dei uma gargalhada. Agora, penso que tem muita gente com dúvida e com dificuldade para torcer, imagine ontem a felicidade e a tristeza do Zidane em fazer um gol no... Cazillas, colega dele...
Naquele jogo com várias expulsões (não me lembro mais quem jogava) os jogadores fora de campo, de seleções opostas, ficaram sentados lado a lado, colegas, comentando o jogo. É um outro tempo do futebol, certamente, fica meio estranho, mas traz o mérito de trabalhar nossa parte civilizada, não?

patricia duarte disse...

Ô Cris, o que eu acho engraçado é que os jogadores tem mesmo essa camaradagem em campo e isso é muito bacana. Mas a mídia, parece, não está entendendo isso, que estamos apenas num torneio de futebol. Eles querem é guerra mesmo. Hoje vi uma notícia sobre a seleção da Itália e, lá também, na Itália, a imprensa está caindo de pau na seleção. Dizendo que são burocratas, que não jogam direito,que não sei o quê. Eu hem, difíceis de agradar esses carinhas, né?

Brigadinha pela visita.