Muita calma nessa hora. Papéis não têm asas nem pernas. Não podem sair por aí se escondendo, escapando por frestas de janela e desaparecendo no meio do nada. Mesmo que a gente se esqueça de onde exatamente os colocamos, mais cedo ou mais tarde, os encontraremos lá, onde já não sabíamos mais que estavam, mas de onde nunca saíram. As vezes aparecem nos lugares mais improváveis, onde jamais os guardaríamos. Mas é que, de quando em vez, acontece também de não guardarmos os papéis na hora em que os recebemos. Abrimos o livro que está nas nossas mãos e os depositamos ali, ingenuamente, acreditando que, depois, lembraremos de arquivá-los numa pasta. Doce ilusão.
O pior é quando inventamos lugares alternativos. Um envelope, dentro de uma pasta qualquer, junto com outros papéis, de outras espécies e de diferentes ordens, no fundo de uma gaveta, debaixo de uma porção de outras coisinhas que vamos juntando ao longo do ano, como uma rolha de champagne, uma canetinha roxa, uma miniatura da igrejinha da Pampulha, um livreto de propaganda da Elvira Matilde, álbuns de fotos já bem antigas, estojos de lata de cores variadas e mais badulaques e badulaques. Aí vira um filme de horror.
Se está dentro de um livro, temos uma chance de sairmos vitoriosos. Basta nos lembrarmos das obras que lemos durante aquele ano e folheá-las rapidamente. Fatalmente esses livros estarão à vista, na fileira da frente da estante, encaixados sobre os outros livros ou na mesinha de cabeceira ao lado da nossa cama. Aí é só escolher um e começar. Num instante, o papel que procuramos salta da história e cai nas nossas mãos. Mas escondido sobre os livros na estante, no meio de recortes de jornais, de textos impressos que guardamos para ler um dia, entre bloquinhos com anotações de palestras que jamais conseguiremos recuperar, a perspectiva é quase desanimadora. É mais uma tarefa insana.
Por isso, muita calma nessa hora. Muita calma e foco. É fundamental não perdermos o objetivo de nossas buscas. Ao saírmos procurando os papéis que estão em lugar incerto, porém seguros, temos uma tendência forte de querer fazer aquela faxina que adiamos desde o final do ano anterior. Abraçamos um monte de papéis velhos e empoeirados e jogamos em cima da mesa, dispostos a jogar tudo no lixo. Mas o primeiro recorte de jornal já é um risco alto de desvio. Ler a primeira linha da matéria é a certeza de que iniciaremos uma longa viagem. As anotações de palestras são piores ainda. São um amontoado de palavras soltas, pedaços de frases, rabiscos que têm o dom de acionar nossas lembranças de ouvido. Aí ficamos tentados a reconstituir aquelas falas e podemos ficar até a madrugada inteira com aquele caderninho na mão, o olhar perdido e a cabeça a léguas de distância do nosso objetivo. Um perigo. Não façam isso.
Não percam o foco. Concentrem-se nos papéis que procuram e fechem os olhos para todas as demais tentações. É claro que tudo isso poderia ser evitado, se a pasta que separamos no início do ano para arquivar os papéis do imposto de renda funcionasse. Deveria, porque esse é um procedimento muito simples, mas funciona só mais ou menos e, portanto, não funciona. Então, nessa hora, muita calma e sensatez. O que está a mão, é o que de fato é possível declarar. O que não foi encontrado, perdido está. É melhor esquecer, confiar de que os descontos que não faremos por conta da nossa estupidez irão gerar uma sobra de caixa para o Estado, que irá aplicá-la em programas de grande relevância social, beneficiando toda a população. É um jogo do contente, mas, paciência. Agora mãos a obra que o tempo urge.
Uma semana cheia de doces e alegres declarações para todos.
Inté.
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