Meninas, acho que deus desistiu mesmo da gente. Da primeira vez, achei que tivesse sido só uma distração. Depois ouvi mais uma vez, mais outra e agora de novo: a terra tremeu em São Paulo, Rio de Janeiro e já nem sei mais onde não tremeu. Sinceramente, não estávamos preparadas para isso, estávamos? Crescemos num país tropical, abençoado por deus e bonito por natureza, lembram?
Claro que não levávamos muito a sério essa crendice, pois víamos com nossos olhos outros milhões de problemas esparramados para tudo quanto era canto do país. Mas lá no fundo da alma, lá bem no fundo mesmo, agradecíamos a deus, todas as manhãs, por não termos de enfrentar, além desses problemas, o mau humor da natureza, com seus vulcões cuspindo fogo, furacões varrendo tudo que viam pela frente, terremotos virando o mundo de cabeça pra baixo e outros destemperos mais.
E agora? Será que ele desistiu de nos poupar? Se desistiu, o que será mais que virá, além de ciclones nos mares do Sul, terremotos e trombas d'água? Ou será que, como antes, deus não tem nada com isso. Pensando bem, acho que ele está mesmo fora dessa. Os especialistas que se virem para explicar o que está acontecendo. Esses senhores, aliás, poderiam deixar de por panos quentes, de dizer que foi um tremorzinho de nada, que essa história de o Brasil ser uma terra abençoada é mito e coisa de ignorante e tal e usar as mesmas letras para desvendar esse mistério, não é não? Tá certo que esse tom ameno é mais reconfortante, mas desconfio que até eles já estão ficando cismados com essa série de coincidências.
Olhem só, reconheço, e até anuncio, que não entendo nada de placas tectônicas, mas vi num mapa captado no google que a fronteira leste da placa sul-americana, provavelmente a responsável pelos tremores ocorridos na costa sul brasileira, faz limite divergente com a placa africana, ou seja, as duas se movem em direções e sentidos opostos. Quando uma placa se move para cá, a outra vai pra lá, entenderam? Se é assim, por que a terra tremeu só aqui, perto de nós, e não tremeu do outro lado também? É uma dúvida que me ocorreu.
Mas tenho outras mais. Fico matutando que esse tremor pode não ter sido provocado pelos movimentos naturais das placas tectônicas, movimentos que ocorrem a milhares e bilhares de anos. Tanto que já fomos África um dia, só desgarramos. Vocês sabem disso. Mas esses tremores agora são diferentes. Tem um tempo que já penso nesse risco que vínhamos correndo.
Pensem bem, meninas. Imaginem uma torta em camadas: biscoito champagne, creme amarelo, gelatina de framboesa, salada de frutas e chantili ou suspiro. Não se preocupem com os ingredientes, foi só para ilustrar, jamais faria toda essa mistura. Mas imaginem essa torta sendo servida e um digníssimo qualquer aceitando. Só que o espertinho quer apenas o creminho amarelo. Você vai lá, cutuca de um lado, cutuca de outro e, com jeito, tira o creme amarelo para o digníssimo. O que vai acontecer com a torta? Vai despencar. Ou não vai?
E o que é que a Petrobrás vem fazendo, cada vez com maior afinco, na Bacia de Santos, naquela área toda que se estende do Sul do Espírito Santo e desce até o Sul do país? Ela está tirando o creminho amarelo da torta, está criando um vazio de nada entre as diversas camadas da crosta terrestre. Ou não está? E se está, o que podemos esperar que vai acontecer? Em algum momento, a camada superior vai despencar, como na torta, e assim uma a uma todas as que estiverem acima do vazio deixado pela Petrobrás, até chegar aquela onde tocamos com nossos pés. Concordam?
Pois é. Alguns vão dizer que sabiam que isso não daria certo de jeito nenhum. Outros, mais otimistas, vão garantir que agora é que tudo vai começar a dar certo. É o progresso chegando, gente! São as passadas gigantes do desenvolvimento, fazendo a terra toda tremer. Ou não são?
Ah, nem! Ai ai, viu?
Uma restinho de semana só no balanço da rede, debaixo de uma mangueira, no meio do quintal ou na varandinha 3 x 3, no sétimo andar de um prédio, no centro da cidade. Mas no balanço da rede.
Um comentário:
Estou aqui com Boaventura Santos (um texto, naturalmente): "O risco agora é total e insegurável porque não há responsáveis para os danos possíveis, demasiado grande para poderem ser por ele responsabilizados os indivíduos, como consta do paradigma liberal da responsabilidade, e obviamente impunes se a humanidade for responsabilizada no seu todo".
E me remeteu à proposta de Milton Santos que defende que as respostas surgem localmente no mundo globalizado. Já Boaventura considera as novas territorialidade (o próximo pode estar longe) e temporalidade (ele pode estar no futuro) possíveis para a criação de redes intersubjetivas de reciprocidade “entendida de modo não antropocêntrico, o meu próximo pode ser o animal irmão de São Francisco de Assis”. Sou mais Milton Santos, né.
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