sábado, abril 14, 2007

Mais menos, se é possivel

Meninas, temos um problema. Diria mais, temos um problemão. Nossa estratégia para enfrentar o aquecimento global está rolando ladeira abaixo. Acho que não teremos nem força para evitar que ela se esborrache na primeira esquina. Sinto muito dizer isso, mas às vezes é melhor mesmo abusarmos logo da franqueza, para chegarmos mais rápido ao que interessa.

Até ontem, não tínhamos dúvida de que se conseguíssemos mudar o nosso comportamento nos shoppings e diminuir nossas idas ao supermercado, além de boicotar a indústria de marcas, o mercado da moda e desmascarar o país das maravilhas da publicidade e assim por diante, nós conseguiríamos conter o nosso desejo desenfreado de consumo. Querendo menos, cada vez menos, alcançaríamos o ideal de reduzir os nossos gastos apenas ao necessário, somente o necessário e, vitoriosas, estaríamos contribuindo de uma forma absolutamente fundamental, para restabelecer os padrões sustentáveis de consumo e produção do nosso planeta. Estão lembradas?

Pois é. Agora esqueçam tudo isso. Não temos a menor chance. Me falaram de um livro, que já é até bem antigo, mas que demonstra que não há a menor possibilidade de um dia isso vir a acontecer. Pelo menos, não no ritmo e na intensidade que precisaríamos para que nossos objetivos fossem alcançados. E é melhor assim. Ainda não li, mas uma hora vou ler, porque já gostei muito do comentário que me fizeram sobre ele. Foi o suficiente para que eu concordasse com o autor e me voltasse aquela vontadezinha danada de comprar mais um livro para colocar na cabeceira da minha cama. Ai ai.

Mas vamos lá. O livro é de Néstor García Canclini e chama-se Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Nem sei se o que comentávamos, quando Canclini foi citado, resume mesmo a idéia central do livro, mas deve estar presente em algum momento do texto. Naquela hora nós falávamos de identidade. É óbvio que todos nós precisamos de uma. Quem vive sem uma identidade? Isso é nosso mesmo, o sentimento de pertencimento, de fazer parte de uma tribo qualquer, é como o ar que respiramos. Sem isso, nem existimos. Ou pelo menos pensamos que não.

Bem resumidamente, Canclini entrou na história porque, no livro, ele cita esse processo, de construção da identidade, e o relaciona exatamente com o consumo. A idéia dele, se captei direitinho, é a seguinte: quando vivíamos nas comunidades rurais, nossa identidade nos era dada pelos parentescos que herdávamos. Sou fulana, filha de beltrana e do seu beltrano. Era assim até ficarmos velhinhos. E se nossos avós e pais eram pessoas do bem, melhor ainda, porque isso só abria portas para nós. E essa identidade nos bastava. Nessa época, também, tínhamos uma necessidade de consumo muito básica. Às vezes, nem queríamos. Eram as coisas que chegavam lá. E isso não nos fazia infeliz.

Nas sociedades modernas, altamente urbanizadas, a construção da nossa identidade tornou-se um pouco mais complexa. É claro que o filho de Abílio Diniz, continua sendo o filho de Abílio Diniz, herdando uma identidade que abre portas. Mas isso só não é mais suficiente. Nem para ele nem para todos nós, que nos misturamos no meio da multidão. De que adianta falarmos que somos fulaninha, filha de beltrana e seu beltrano? Quem são esses dois ilustres desconhecidos? Então, o que Canclini fala é que, a partir daí, esse processo tornou-se mais complicado. Hoje, precisamos construir a nossa identidade a todo momento. E se ela não se revela mais no sobrenome que carregamos, temos de buscar substitutos.

Aí é que a história começa a se complicar e nossa estratégia maquiavélica começa a rolar ladeira abaixo. Para ele, a saída que encontramos, ou que nos deram, sei lá, foi a de compor a nossa identidade através do consumo, principalmente, do consumo de supérfluos, já que o básico hoje, praticamente todo mundo tem. Vocês não chegariam num lugar qualquer e se apresentariam assim: eu sou fulana, tenho um par de sapatos, um relógio, uma bolsa tiracolo e uns óculos de grau? Não iriam, não é mesmo? Dependendo da sua tribo, vocês estariam usando um sapato determinado, um relógio que é o relógio e assim por diante.

Os personagens que vão surgindo nesse processo são construídos, então, influenciados por diversos fatores, mas um é determinante. É sempre assim, temos várias opções, mas uma sempre é mais forte que a outra. É determinante. No nosso caso, esse fator é a televisão e, mais ainda, a publicidade. É ela quem dá significado para esse mundo de coisas que jogam no mercado todos os dias. É ela quem me diz qual xampu devo usar para me sentir bem loura, bem linda, bem sexy e tal. É ela quem me diz que devo ser cliente daquele banco, porque, nele, todas as clientes são muito inteligentes, cultas, articuladas e modernas. Então é assim, vou vendo na televisão, olhando para a minha turma, percebendo o meu espaço e compondo a minha identidade. Uma ou várias, dependendo da minha ansiedade.

Aí vem a parte mais dramática dessa história. Deixar 80% dessa moçada toda, que está por aí, fora do consumo é um perigo inimaginável, conforme alerta Canclini. Se eles não puderem comprar os adereços que irão compor sua identidade, não tenham dúvida, eles vão tomá-los de alguém. E não é porque são maus, ou porque estão passando fome, ou porque querem se vingar de quem tem, ou porque são doentes, loucos, bárbaros. Vão tomar, porque precisam disso como precisam do ar. Eles, como nós, querem uma identidade. Estão atrás dos significados que inventamos no país das maravilhas da publicidade. E se fosse só isso, estava bom. Mas estão atrás de todos os significados disseminados pelo mundo afora. E a violência, não tenham dúvida, é um deles. Basta abrir o jornal, ligar a televisão, ir ao cinema, andar na rua. Então, eles querem o mizzuno e, se possível, respingando sangue. Querem fazer sentido também. Pertencer.

Sentiram o drama? Acho que nem o capitalismo 3.0, em versão atualizada, pode dar conta disso. A situação ficou muito complicada, meninas. Precisamos nos encontrar novamente e rever nossas estratégias. Talvez, além do bolsa família, Lula precisará distribuir também bolsas consumo supérfluo. Enquanto isso, nossos planos vão pras cucuias. Já viram, não é?

Para todos, um domingo quietinhos dentro de casa, olhinhos fechados, ouvidos tampados, para não ter nenhuma vontade de nada. Mas antes, um fim de sabadinho ao som do Uakti para todos. Eu vou.

Inté. Agora, só quando der mesmo. Estão lembrando dos dias mínimos, não é?

3 comentários:

Anônimo disse...

Tal como comentei com você recentemente, essa abordagem do consumismo é interessante e, segundo o autor que li, Campbell, construiu-se a partir do individualismo moderno.Eu não gostaria é de ser fatalista em algo tão grave. Há de haver um jeito.
Penso logo existo - assim Descartes inaugurou a modernidade. A identidade através através do consumo, me parece, é atitude de adolescentes. Eles é que andam em bando e precisam criar identidade comum. Depois dos nineteen supõe-se a possibilidade da percepção de si mesmo um pouco mais elaborada. (Ui, fui eu mesma que falei de sentimento de exclusão por causa da limitação de consumo). Nossa, que questão complicada! Desisto, por agora. Vamos pensar mais.

Karla Hack dos Santos disse...

Oie...

Te achei na comunidade da Amélie e resolvi dar uma olhada no seu blog...

Adorei!!!

desculpa a invasão!!!

;DDD

bjus

Anônimo disse...

Oi meninas. Pois é, esse assunto está ficando muito complicado mesmo, mas é sério. Também não acho que sejam apenas os jovens que constroem sua identidade a partir do consumo não. Isso é geral. Parece praga. Mas vi uma pesquisa outro dia, sobre tendências de comportamento, que pode nos dar alguma saída. Se a porta não estiver fechada, né?