quarta-feira, agosto 30, 2006

E agora, José?

Trilha alternativa: Easy as the rain, com Norah Jones e banda, in The Little Willies

Ahmadinejad convidou bush, aquele, para um debate sem censura. Meninas, isso é tudo que estamos precisando. Um debate aberto, franco, desarmado, sem meias palavras, sem produção, sem cortes. Que delícia! Estou sentindo a maior falta disso. Olhem só o nosso horário eleitoral. Que tédio, que modorra. Até propaganda de celular é mais emocionante.

Alguns candidatos estão sendo até absolutamente verdadeiros, mas sem efeito. Vocês já ouviram essa: o seu voto é a minha vitória? Ele foi sincero, vamos admitir. E essa outra: Olá eleitor! Vou começar roubando um pedacinho do seu tempo... Como assim? E depois? Sem comentários, né? E o 45-44, o número certo do sapato que vai chutar os corruptos? Horrível! Parei de ver e ouvir. Se ficarem sabendo de algum debate, me avisem.

Mas já nem sei o que é pior. Não ter debate ou ter um debate com o Alckmin. Já tentaram imaginar o Alckmin debatendo? Ele parece que não tem arranque. Pisa fundo no acelerador, mas o carro não sai do lugar. Fica aquele rrãmi, rrãmi, rrrãmi e não acontece nada. Não sei se um debate entre Ahmadinejad e bush, aquele, mudaria alguma coisa. Os dois são muito cabeça dura. Acho que seria um diálogo de surdos, mas que daria o maior ibope, isso daria. Seria emocionante, se fosse.

Vou dizer o que eu penso. Reduziram a política a um amontoado de números sem nenhum significado. Os nossos grandes temas, que batem na veia e deságuam no coração, que nos afligem a todo instante, foram transcritos para a linguagem matemática, viraram gráficos com linhas que sobem e descem, como se fossem planos de vôo para elevadores. Tem dó. Não há conversa que renda nessa tabuada.

Eu penso que a política é a arte de criar possibilidades. É nesse exercício que se engorda o discurso. Na política, inventamos realidades, sem constrangimento, imaginamos novos cenários, novos atores, novos papéis. Depois a história vai surgindo. Não há nada do que está acontecendo hoje, por exemplo, que não tenha sido antes imaginado por alguém. Mas, parece que agora os números embotaram nossa imaginação. Só conseguimos pensar a partir deles, no limite do possível. Do real. E aí não saímos mais do lugar.

Outro dia fui ouvir o Francisco de Oliveira falar sobre o Esquecimento da Política. Para ele, a política é uma invenção formidável, destinada a corrigir as assimetrias de poder geradas, em qualquer sociedade, pela ação do mercado, que é intrinsecamente concentrador de riquezas e, portanto, de poder. Mas quando a própria política é reduzida a uma prática contábil, ficamos condenados à barbárie. Como enfrentar esses desequilíbrios, forjados pela economia, se não pela violência? Como é que aqueles meninos, que foram à escola, aprenderam a ler, fizeram um curso técnico qualquer, se esforçaram pra caramba, mas continuam fora do mercado, como é que esses meninos vão garantir sua vaga no grande espetáculo da vida? Foram transformados em refugo humano, lembram?

Vão fazer política? Não há mais política. Então, só resta a eles uma saída. Como diz Francisco de Oliveira, não é preciso ler nenhum manual de política ou qualquer um dos clássicos da matéria para conhecer estratégias mais radicais e eficientes. É só assistir a um faroeste americano qualquer que saberemos qual moeda garante a melhor alocação de recursos: a bala. É na força. Eu lamento, mas é exatamente isso que estamos vendo agora.

Quando mais precisamos da política, ela se tornou absolutamente irrelevante e impotente. Foi colonizada pela economia. Pra Rutinha, não temos saída dentro dessa racionalidade, pois a política e o mercado são como irmãs siamesas. Nasceram juntos, estão na raiz de uma mesma matriz. Ou damos um jeito novo de inventar a vida, de olhar o mundo a partir de um outro ponto de vista, até enxergarmos saídas mais honrosas, ou continuaremos nossa marcha impávida rumo ao nada.

Tô concordando.

Uma noite inspirada para todos. Amanhã, levantem cedo, abram a janela, e experimentem olhar o mundo de outras bandas.


Buenas, amigas e amigos.

2 comentários:

Anônimo disse...

E olha o que está em minhas mãos: Febeapa2. Stanislaw Ponte Preta. De 1968. Ainda não saíra o AI-5. O Festival de Besteiras que Assola o País é registrado e comentado com o melhor dos humores. Acho que todos nos esquecemos que o AI5 caiu. Caiu mesmo? Foi? Olha que você está enganada...

patricia duarte disse...

Pois é. Ficamos tão bons nesse jogo, introjetamos tão bem o nosso papel de censores, que 20 e tantos anos não foram ainda suficientes para que cada um tomasse a condução de sua história.

E o ai ai ai 9/11 de bush criou também um novo marco para a história mundial. De lá pra cá, nem é mais só a censura, não é só a omissão de fatos, mas a invenção deles, como se tivessem de fato acontecidos. Perdemos a noção do real, da verdade e nos afundamos num mundo fictício, entramos na nossa matrix, né?