quarta-feira, agosto 23, 2006

Gentileza urbana

É vero, meninas. Não sei bem quando, mas num dia desses pra trás, sobrevoei a capa do O Globo e tive uma boa notícia. O governo chinês, a exemplo do que a Inglaterra já vem fazendo há bastante tempo, está iniciando uma campanha educativa com o objetivo de tornar o cidadão comum num sujeito mais refinado. Pelo que me lembro, dessa leitura das alturas, a campanha visa combater atitudes consideradas toscas, como cuspir no chão, falar alto em público, rir desaforadamente na presença de estranhos, jogar papel no chão e outras desatenções que tornam a convivência social, pelo menos do lado de cá, bastante desagradável. Mais do que isso, os chineses vão aprender a praticar gentilezas urbanas. Achei o máximo.

Não considero os chineses um povo rude. Acho que são diferentes e respeito e admiro essas diferenças. Portanto, não há nenhum julgamento moral na minha satisfação. Mas admito que essa notícia me trouxe um grande alento. Tenho andado muito angustiada com os rumos que a nossa história está tomando. Sempre que abro o jornal para tomar pé das coisas, tenho a certeza de que já estamos vivendo em plena barbárie e fico com o sentimento de que ainda temos muito por onde piorar. Hoje foi mal, mas será melhor do que amanhã. E no dia seguinte, concluo exatamente a mesma coisa. Isso me arrasa. Não é do meu feitio cultivar a desesperança. Pelo contrário, acordo sempre muito bem humorada e super animada a começar um dia novo. Aí olho o jornal e o bicho pega. Me dá vontade de voltar pra cama e deixar pra depois. Como isso não é possível, vou só levando o que tenho de levar até chegar outro dia. E assim por diante.

Mas olhem só se não é pra me aborrecer mesmo. Vamos começar pela situação no Oriente Médio. Ninguém alivia nada por ali. Nunca. Estão sempre esbarrando no limite da tensão. E vocês sabem, a maioria dos países dessa região já possui algum tipo de arma nuclear, monitoradas cotidianamente por Israel. Mesmo os que acaso ainda não chegaram lá, não temem usar o próprio corpo para ameaçar a sobrevivência dos vizinhos. A vida ali vale tanto quanto nada. Aí vocês acham mesmo que se o Irã, por exemplo, que está quase conseguindo a sua carteirinha do clube da Formiga Atômica, se o Irã desvendar a fórmula nuclear para fins militares, Israel vai assistir passivamente a essa conquista? É claro que vai primeiro detonar, para depois conversar. Não tenho dúvida de que estamos à beira de uma guerra de alto poder destrutivo. Ou pelo menos não tinha.

Aí vocês mirem um pouco pra esquerda, é a porta do inferno, como ouvi alguém falar outro dia. É só miséria. Agora atravessem o oceano e vão dar de cara com São Paulo, Rio ou onde o vento levar. Está muito diferente? Vamos ser sinceras. Quase nada. Ontem mesmo, fui navegar na internet e cai No mínimo e vi uma entrevista com o sociólogo Luiz Carlos Fridman, que nos coloca numa situação trágica. Estamos sendo testemunhas da criação de uma nova classe social, se é que podemos nos referir a ela dessa forma. É a classe do chamado refugo humano. Lixo. É aquele grupo de pessoas que não ocuparam, não ocupam e não ocuparão lugar nenhum na divisão social do trabalho. E eles sabem disso. E porque sabem, estão se virando, do jeito que é possível, para conquistar um lugarzinho ao sol. É uma guerra também sem trégua e sem limites. E ninguém sabe ainda como lidar com essa violência, que de aguda, virou crônica.

Não consegui terminar de ler a entrevista, mas o que li foi o suficiente para estragar o meu humor. Então é assim, nessa sopa de letrinhas que o mundo virou. Tem horas que gostaria de me desalfabetizar, pelo menos viveria bem na ilusão. Fazer como está fazendo Perelman, aquele matemático que decifrou um grande enigma, proposto há mais de um século. Vi a notícia no CBN Brasil. O danado do russo resolveu equações cavalares para provar uma conjectura de um francês sobre um assunto que não tenho a menor idéia. Fez tudo de difícil que a matemática tem, mas parece que não sabe fazer contas, ou não quer. Dispensou um prêmio de US$ 1 milhão e sumiu no mapa. Eu também gostaria de dispensar os milhões de notícias que me chegam diariamente pelos jornais, revistas, pelo correio, pela rádio, televisão, pela internet e por aí afora. Dispensar até os livros, alguns. E sumir no mapa. Só não me arrependo de vez de ter um dia aprendido a ler quando vejo uma notícia como essa, sobre os chineses. Fico pensando que, talvez, o pior já tenha passado. Talvez, não estejamos entrando na barbárie como fico temendo, mas já saindo. Talvez, os meninos terão a chance de conhecer um mundo diferente, um outro que não esse onde estamos envelhecendo. Talvez.

Um alegre despertar para todos, um bom dia e não se esqueçam das gentilezas urbanas. As mudanças começam assim, nos pequenos gestos.

Inté.

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