Olhar é muito perigoso. Vai que você vê? Quando criança, aprendi que até mesmo sem ver, olhar é perigoso. Se o outro cisma que você está olhando de um jeito esquisito, isso vira briga na certa. Aí rola no chão e troca puxão de cabelo e chute na canela e mordida e chama mãe e chama pai e vai saber o porquê: é porque fulano estava me olhando de um jeito esquisito. Então. De qualquer maneira, olhar é perigoso e tem hora ainda que você vê até sem olhar. É quase inevitável. E dá problema do mesmo jeito.
Me deu medo, por mim, que já nem estarei mais aqui, e por meus filhos e netos que, certamente, estarão lutando em algum lugar para se protegerem das catástrofes. Ainda assim, me acalmei, porque me pareceu um futuro bem distante e porque acredito que o homem não se coloca problemas que não possa resolver. Ouvi isso em algum lugar, gostei e sempre me lembro dessa frase quando estou no sufoco. Mas aí, olha o perigo, resolvi dar uma espiada, para ver exatamente como estamos caminhando neste cenário.
Dei uma panorâmica só em 2005, minha memória recente ainda está em forma. E vi os tufões e vendavais nas Américas Central e do Norte. Vi as inundações na Europa e na Ásia. Vi os verões tórridos que estamos enfrentando aqui no Sul, acompanhados de tempestades devastadoras, que deixam centenas de desabrigados. Vi as nevascas na Europa e América do Norte. Vi notícias sobre a descoberta de novos vírus, letais para os homens. Vi notícias sobre o derretimento de geleiras na Antártida, no Ártico e na Groenlândia. Nos picos gelados do Himalaia, dos Alpes e até do Kilimanjaro, em plena África.
Olhei sem querer, mas não pude deixar de ver e agora fiquei preocupada. Será que é preciso esperar até 2050? Esperar aquele dia, talvez depois do carnaval, quem sabe uma tarde chuvosa de um domingo preguiçoso, quando, então, de repente, as mudanças climáticas vão começar a mudar a vida no planeta? Sei não. Tudo está chegando muito rápido. Aí estava andando e pensando, ainda mantenho esse hábito, e vi na banca um exemplar da Scientific American, bem a vista de todo mundo, tratando exatamente destas questões: A terra na estufa. Comprei, claro, e fui dar uma olhada.
Um dos desafios mais sérios que já enfrentamos, no hoje, no agora-agora, diz respeito mesmo à questão energética. Como encontrar um substituto para os combustíveis fósseis, responsáveis por 78% da geração de energia no planeta. Leia-se principalmente petróleo, fonte de gases de efeito estufa poderosíssimos. Um substituto de fonte renovável e não poluente, que contribua para desacelerar o ritmo do aquecimento global. O artigo de Rogério Cerqueira Leite discute exatamente isso. E ele não é muito otimista, embora aponte um cenário bem favorável para o Brasil. Um pouco com o álcool, a nova mania nacional, mas principalmente com as nossas velhas conhecidas hidrelétricas, pois temos ainda um potencial hídrico inventariado que é o dobro do instalado.
Cerqueira Leite vai fazendo conta, fazendo conta e descartando uma a uma as alternativas românticas que construímos no nosso ingênuo imaginário. Energia Solar: para produzirmos energia solar equivalente à capacidade de um poço médio de petróleo, que ocupa cerca de 100 metros quadrados e produz mais ou menos 50 mil barris/dia, precisaríamos de 7 mil anos. Não dá para esperar, né? Ele analisa ainda outras fontes mais exóticas e vai detonando todas elas, pelo menos como substitutas para o petróleo. Podem, quando muito, ser complementares em regiões bem localizadas.
E ele vai até chegar à biomassa, entre elas, o álcool. Fazendo as contas e as devidas projeções para 2050, ele mostra que seriam necessários entre 30 a 35 milhões de metros quadrados de cultivo de biomassa para substituir o petróleo. Ou seja, quatro vezes a superfície total do Brasil. Com muito esforço e ocupando toda a terra disponível e adequada ao cultivo de cana-de-açúcar no Brasil, cerca de 90 milhões de hectares, seríamos capazes de substituir não mais do que 10% do petróleo consumido mundialmente.
Fiquei preocupada de novo. Tudo bem que o Brasil invista no álcool como uma fonte complementar de energia, principalmente para o mercado interno, mas querer torná-lo o ouro verde para redenção do planeta, vai uma grande distância. Não quero terminar os meus dias chupando cana, tendo de guardar o bagaço para devolvê-lo à usina e ainda assoviar o está chegando a hora. É melhor pensarmos mais um pouco. Investirmos mais em pesquisa e encontrarmos outras soluções que garantam a maior diversificação da nossa matriz energética, sem comprometer perigosamente as terras destinadas ao cultivo de alimentos. É melhor pensarmos um jeito também de mudarmos nossos hábitos, mesmo que isso seja muito difícil e doloroso. É melhor pensarmos ainda em novos modelos de cidade e em meios de transporte coletivos, que reduzam nossa dependência do automóvel. E outras cositas más, que não vou ficar listando aqui, mas tudo em concomitância, aquela palavrinha danada que parece pajelança.
Enquanto isso, temos de nos acostumarmos com o calor e com as tempestades. Enquanto isso também, é mesmo o que o jornalista Carlos Alberto Sardenberg disse outro dia na CBN: temos de nos acostumarmos com o combustível caro. Daqui pra frente, o preço só vai aumentar, pois 2050 é hoje.
Raios de sol e ventos para todos, fontes de energia complementares e baratas.
Até de repente