quinta-feira, junho 14, 2007

Os donos da voz

Foto: essa é minha.

Ainda sem perder o foco e com várias certezas sobre as dúvidas que terei de enfrentar proximamente. Uma delas: porque a grande imprensa brasileira não discute as políticas públicas de comunicação? Vocês sabiam que neste ano da graça de 2007 estão vencendo as outorgas de 28 emissoras de TVs e de 153 canais de rádios, entre elas a Globo, Record, Bandeirantes e Cultura? Vocês sabiam que a Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou, no último mês de maio, novas regras para a renovação e outorga de rádios e TVs que já valerão para os processos que chegarem à Câmara a partir do dia 1º de julho? Vocês sabiam que os trabalhos dessa Comissão tiveram início há três meses e que já foram realizadas seis audiências públicas para discutir essa questão e que existem propostas até bastante avançadas para atualizar essa legislação?

Essas coisas a gente não fica sabendo assim, distraidamente, né? Temos de correr atrás para buscar informação. Mas pudemos acompanhar detalhadamente, com páginas e páginas de matérias de enviados especiais e horas e horas de debates no rádio e na TV, sobre a recusa de Chávez de renovar a concessão da RCTV venezuelana. Quem é que entende uma coisa dessas? Então vamos por parte. As concessões públicas para rádio e TV são licenças temporárias, concedidas pelo governo para uma determinada empresa transmitir conteúdos por canais de rádio e TV. No caso das televisões brasileiras, conforme explica o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), essas concessões têm validade de 15 anos e, para os rádios, de 10 anos. E são esses prazos que estão vencendo para algumas empresas. Mas quais são os critérios para que a renovação seja aprovada? Quais são os critérios para aprovação de uma concessão de rádio e TV no Brasil? Mais dúvidas.

Uma certeza: não acho que o Congresso vá negar a renovação para nenhuma delas, apesar de criticar, em várias ocasiões, o comportamento da imprensa brasileira. E, às vezes, até com razão. Mas isso não significa que essas questões não devessem estar sendo amplamente discutidas com a sociedade brasileira, inclusive com o apoio e a participação dos meios de comunicação de massa, como as redes de rádio e TV, os jornais de circulação nacional e assim por diante. Isso é o que eu penso, mas não é o que a grande imprensa brasileira pensa. Ela sabe que tem um papel relevante e essencial na consolidação das sociedades democráticas. Sabe que, além de organizar e dar visibilidade às grandes demandas da sociedade na esfera pública, influencia fortemente no agendamento e enquadramento desses temas, contribuindo, de forma decisiva, na formação da opinião pública. Ela sabe disso tudo.

Sabe, mas não se dispõe, com exceções, é claro, a assumir um papel responsivo nesse jogo. Ela não admite, em hipótese alguma, qualquer tipo de crítica, que dirá de mecanismos de controle democrático. Rápida no gatilho, qualquer tentativa nessa direção é traduzida por ela, sem nem pestanejar, como sendo mecanismos de censura, de cerceamento da liberdade de expressão. Essa é a senha para barrar os desavisados que, eventualmente, tentam influir na linha editorial das publicações e programações de rádio e Tvs, propondo um debate mais plural sobre temas espinhosos para a mídia.

E não sou eu que penso que ela pensa assim. É assim que é. Recentemente os jornais publicaram uma notinha de pé de página sobre uma pesquisa realizada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), com o apoio da Fundação Ford, sobre Mídia e Políticas Públicas de Comunicação. A conclusão da pesquisa é a de que, de maneira geral, os meios de comunicação brasileiros ainda dedicam uma atenção seletiva e parcial aos temas mais polêmicos das Políticas Públicas de Comunicação, como a regulação de conteúdo e a propriedade cruzada dos meios. E porque isso é grave? Exatamente porque os meios de comunicação têm um papel fundamental no debate dos grandes temas de interesse público, pois são eles que dão visibilidade a esses temas, que organizam a discussão, etc. etc. etc. Mas, como qualquer outra instituição, nem sempre os meios de comunicação conseguem representar um papel isento no debate público. Por isso seria importante que eles também fossem passíveis de controle democrático, por meio de regulamentações, amplamente discutidas pela sociedade, que estabelecessem os critérios e limites para sua atuação.

Mas é querer demais da nossa vaidosa imprensa, não é não? Enquanto isso, vamos acumulando dúvidas e desinformação. Vocês sabiam, por exemplo, que a Anatel está criando um grupo de estudos para elaborar uma nova licença para o serviço de TV por assinatura? Sabiam que essas mudanças poderão colocar em risco os canais comunitários, legislativos, universitários e outros previstos na lei do cabo? Que as mudanças não estão levando em consideração os debates sobre a definição de um novo marco regulatório para o setor? Que as mudanças poderão ainda abrir caminho para as operadoras de telefonia atuarem nesse mercado, bem como para o capital estrangeiro?

E assim caminhamos. Até o dia, se é que haverá esse dia, em que um vento mais forte vai soprar e espalhar os ares da democracia pelos quatro cantos dessas plagas brasileiras.

PS: Esse negócio de pensamento único definitivamente não funciona e cansa demais. Já estou ficando enfarada de pensar sempre o mesmo assunto. No próximo fim de semana prometo virar o disco.

Inté

Um comentário:

Anônimo disse...

Ooooolha que interessante esse assunto heim Patricia. Muito bem explorado. Eu sempre achei esses assuntos de concessões muuuito obscuros. É claro que a imprensa não quer falar sobre ele, é um assunto que quanto mais por baixo dos panos for tratado, melhor. Briga de cachorros grandes. Mas eu gostaria muito de entender os critérios de renovação.
Um beijo, bom final de semana