domingo, março 04, 2007

Cálice

Trilha sonora: Vou de Chico. Censurado

Estava distraindo o tempo e resolvi reler algumas fábulas fabulosas de Millôr. Dei de cair, justamente, naquela: Os perigos da filosofia. Resumidamente, a história é a seguinte: cinco amigos estão reunidos numa sala vazia, se escondendo da polícia. Eram subversivos, como se dizia naquela época, não ladrões. Para passar o tempo, o mais velho deles propôs um desafio. Os outros quatros teriam de responder qual o jeito mais rápido e fácil de preencher o vazio daquela sala de maneira compacta.

O primeiro sugeriu encher a sala de palha. Foi uma boa resposta, mas a palha não preencheria o espaço de maneira compacta. O segundo escolheu a areia, mas, também a areia não ocuparia todo o espaço e, além disso, os cinco amigos teriam de abandonar a sala para levar a cabo esse projeto. O terceiro propôs ocupar o espaço com água. Dwârr...morreriam todos afogados! Por fim, o último levantou-se de onde estava e apertando o interruptor, encheu a sala de luz. Foi a melhor solução, além do que, a luz é um elemento cheio de nobres significados.

Mas, ao acender a luz, a polícia, que estava na espreita do lado de fora, confirmou a presença dos suspeitos, invadiu a sala e metralhou os cinco subversivos! Moral da história, segundo Millôr: quem está na merda não filosofa.

Ele foi cruel, admito. Talvez eu seja cruel também no que estou pensando aqui agora. Mas há momentos em que é muito complicado mesmo manter a compostura em nome das aparências ou da imagem que o outro constrói de nós. Estou pensando que Renato Janine Ribeiro, quando escreveu seu artigo na FSP de uns dias atrás, comentando a morte do menino João Hélio, e que provocou tanta polêmica, pode ter se lembrado do conselho de Millôr. Renunciou à filosofia e escolheu expor a sua perplexidade. Não o recrimino por isso e me solidarizo com ele.

Mesmo querendo ler, loucamente, qualquer coisa que me ajudasse a entender melhor o caos em que estamos vivendo, reconheço que as palavras não dão conta de descrever a barbárie. Mas agora, agora que a vida retomou o seu curso normal, que a morte de João Hélio virou estatística, cedendo lugar para a morte dos franceses, da avó arrastada até a morte pelo neto de 12 anos, e outros tantos casos que não fico mais contabilizando para não perder a compostura, agora, acho que é hora de retomarmos a filosofia.

Que seja Rouseau, como sugere Janine Ribeiro. Que seja Platão. Que seja quem for, mas que seja capaz de nos oferecer mais uma oportunidade para refletirmos sobre o valor da vida e, quem sabe, reencontrá-lo. Até Nietzche é melhor que nada. Opa! Lembrei uma frase. Uma frase que o Cláudio um dia já havia se lembrado: vou fazer coisas grandiosas nessa vida. Não sei quais são, mas elas serão o terror da terra. Nietzche.

Será isso o que esses meninos desestruturados e desamparados estão procurando? Deixar a sua marca na terra? Ter os seus quinze minutos de fama? Será que se apropriaram da violência como uma forma de expressão? Como um pintor que joga a tinta numa tela em branco para ver no que vai dar? Um poeta que desenha uma palavra no papel vazio, para dela brotar um verso? O que será que esses meninos estão gritando que não conseguimos, ou não queremos, ouvir? Será que estão incomunicáveis? Ou será que pedem socorro? Será que pedem limites? Ou será que não estão nem aí?

Talvez Millôr tenha razão. Melhor não filosofar. Melhor lavar os pratos. Quem sabe amanhã...

Um dia de luz e paz, sempre.

Inté.

Ôpa! Lembrei: Chico. Cálice.





2 comentários:

Anônimo disse...

Adoro Millor. E esta fábula, como sempre, foi perfeita.

Ah! Recebi o e-mail sim! Beijos e muito obrigado, depois te conto os detalhes do contato.

Só tem um porém. Perdi meus e-mails e ele foi junto. Mas estou tentando recuperar. Desculpa pela demora em te responder.

Beijos!

patricia duarte disse...

Pois é. Reli várias fábulas, todas fabulosas...mas essa é mais.

Vou recuperar o endereço e te envio de novo.