sábado, fevereiro 17, 2007

Com que roupa eu vou?

Sem trilha: Carnaval já é uma coisa muito barulhenta. Alguns minutos de silêncio serão mais revigorantes!

Estou ficando aflita. Muito aflita mesmo. Nem bem terminou as férias e já é carnaval. Cinco dias de agenda vazia. Não estava preparada para isso. Mais cinco dias sem fazer nada! Que qui é isso?! Onde é que nós vamos parar com essa moleza toda? E o bonde da história? Não estava passando acelerado? E nós não teríamos de entrar nele? E ficamos aqui, dedicados de corpo e alma à vida à toa? Diria que isso é quase insuportável! Ainda mais agora, que já estava entrando no pique!

Mas se é assim, que seja. Vou brecar fundo. Parar com tudo. Só não vou tolerar ficar sem fazer nada. Já cansei disso. Quero intensa programação nesses dias. Todos os meus cinco dias integralmente ocupados! Com qualquer coisa que me afaste da tentação quase irresistível de arrumar gavetas, rasgar papéis, atualizar a nova agenda, tirar poeira dos livros, zapear nos 90 canais de tevê e outros afazeres intermináveis e enfadonhos.

Não, para a avenida não vou. Também me recuso a ir aos bailes de carnaval dos clubes da cidade. São de uma alegria sufocante, não daria conta disso. Passo, sem nem perder tempo para pensar. Quem sabe um cineminha? Tem filme que não acaba mais me aguardando. Huummm, mas que preguiça. A cidade vazia, nem um engarrafamento para enfrentar, nem uma fila na boca do caixa, poltronas de sobra para escolher, pipoca, jujuba, que falta de graça. Queria algo mais, com um pouco de adrenalina.

Já sei. Vou botar a leitura em dia! Tem cinco livros na cabeceira da cama, gritando silenciosamente: devorem-me! Devorem-me! Estou olhando para eles. Olho no olho. E respondo: depende. Mas depende do quê?, eles querem saber. Uai, depende da história, se ela será capaz de me prender e me deixar suspensa no tempo por alguns dias, perdida no universo paralelo das palavras inventadas. Depende do jeito que o autor for capaz de contar essa história, se ele saberá, de fato, criar uma fresta no meu dia, que me seduza a atravessá-la, para entrar no círculo mágico da fantasia. Depende, uai. E agora, sinceramente, agora agora, não sei. Mais tarde penso nisso.

E, que seja. Ainda assim, será insuficiente para ocupar meus cinco dias de licença. Não seria capaz de me deixar ficar mais do que algumas horas olhando para um papel cheio de letras. E depois? E depois? Preciso ter calma nesse momento. Mas pensar, pensar rápido! Nem ouso pegar o telefone para ligar para alguém e propor um programa legal. Já sei, já sei, todo mundo está viajando. Todos sabiam que teriam cinco dias livres na agenda e planejaram, com antecedência, um programa irresistível, hiper bacana, com mil atividades, junto com uma turma super animada e, pra completar, tudo isso num lugar imperdível, tipo paraíso na terra. Então, tá. Mas não precisam tripudiar. Digam apenas: não posso e tiau!

Então...então....o que posso fazer? Acompanhar o triathon de Guimarães Rosa! Isso, isso sim! Tem uma turma já preparada para atravessar a cidade a pé, conversando com quem entende, sobre os mistérios dos sertões. Depois, todos vão para a beira da Pampulha, percorrer a lagoa de bicicleta, parando onde der, para ouvir trechos da obra de Guimarães. E, depois disso tudo, vão pular na piscina do CEU e, estirados na grama, esquentando o sol, refletir sobre tudo que ouviram. Esse pessoal inventa cada uma, hem? A programação é boa, mas, pensando bem, é muita falta do que fazer. E, prum carnaval, mais cabeça do que gostaria. Não vou.

O tempo está passando, indiferente à minha aflição. Meio dia já se foi. E nenhuma perspectiva pela frente. Quer saber? Vou radicalizar. Não vou fazer nada mesmo. Principalmente, não vou fazer nada que tenho de fazer. Se acontecer de aparecer algum programa, só faço se não tiver de. Se for alguma coisa que seria absolutamente improvável nesse momento. Algo que me pareça mais que surpreendente de tão impossível que é agora. Algo que não me exija ficar pensando, sofrendo, não para decidir se topo, mas para saber, por exemplo, com que roupa eu vou. Insisto, algo que eu possa aceitar despretensiosamente. Agora sim, acalmei. Decidi. Vou fazer nada e seja o que deus quiser!


Uma bateria da Mangueira para todos os que gostam de carnaval e um relógio sem bateria para quem quiser só curtir a agenda vazia.


Até de repente.

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