domingo, novembro 14, 2010

Vida que segue


E a vida continua. Aung San Suu Kyl foi solta ontem, após mais de sete anos presa em casa. A companhia estatal de trens francesa SNCF desculpou-se pelo seu papel na deportação de judeus para campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra. Infecção hospitalar mata 11 bebês no Distrito Federal. Mais um sindicalista é morto a tiros em São Paulo. Começou a temporada das festas de formatura, com direito a uma esticada ao Mercado Central. José Alencar sofre um infarto, recupera e mantém o bom humor. É um santo! Tiririca prova que é alfabetizado. Decifra bem o beabá, mas será que está entendendo? Eu, confesso, muitas vezes tenho dificuldades para entender. O que está acontecendo com o Enem, por exemplo, quem explica? Não quero crer que seja incompetência do Ministério. Mas aí o que será?

E tome mais vida. O zagueiro da Inter de Milão, Marco Materazzi, deixa o estádio Giuseppe Meazza de ambulância durante o clássico contra o Milan. Ele foi atingido no rosto numa dividida de bola com Zlatan Ibrahimovic no segundo tempo da partida. Merapi, na Indonésia, entra em erupção mais uma vez. Trezentos e noventa mil pessoas já foram obrigadas a abandonar suas casas na região próxima do vulcão. Os mortos, até agora, já chegam a duzentas e quarenta pessoas. Uruguai e Argentina fecharam acordo para o controle da fábrica de celulose da UPM. O Partido Socialista da Grécia, de Giorgos Papandreou, venceu o segundo turno das eleições regionais. Cruzeiro vai à CBF protestar contra arbitragem. Não vai adiantar, mas espero que Perrella não deixe mesmo de ir.

É vida que segue, como diria Adilson. Sabrina Sato é a nova rainha de bateria da Vila Isabel. Estudo desvenda mistério de como gatos bebem leite sem se lambuzarem. Está confirmado: férias são importante para a saúde mental. Gamova derrota as meninas do vôlei brasileiro na final do Mundial. Jovens da classe C gastam 71% de seus ganhos com roupas e acessórios. Papa Bento 16 pede uma "reforma profunda" da economia mundial. Se fôssemos espertos como acreditamos que somos nem precisava pedir. E assim vamos caminhando, entre um cafezinho e outro.
Foto: minha

domingo, setembro 26, 2010

Caixinha de surpresa


Preferiria não ter visto, mas vi. Vi o Cruzeiro ser derrotado desnecessariamente pelo Santos. O Cruzeiro poderia ter jogado com mais vontade e garra, mas preferiu um jogo morno e disperso. Parecia outra equipe em campo. Cuca parecia outro técnico a orientar os jogadores. Mas ao mesmo tempo, parecia o mesmo Cruzeiro de sempre que, a qualquer momento, poderia reagir e ao menos empatar. Por isso torci até o último minuto, inutilmente. Mas tudo isso são coisas do futebol. Mesmo quando um jogo ou um campeonato, como o Brasileirão, começam a se tornar previsíveis, mesmo quando os resultados vão sendo forjados sutilmente pelos erros e desatenções da arbitragem, pela catimba dos adversários, pela alma vira-lata dos times fora do eixo, mesmo assim, o futebol é um jogo imprevisível. No campo, tudo pode acontecer.

O craque do time pode acordar de mau humor, o perna de pau acordar inspirado, a equipe desentrosada, por alguma razão inexplicável, pode entrar em sintonia e a equipe sempre afinada perder as conexões e correr perdida de um lado para o outro do campo até o apito final. E é disso que eu gosto no futebol: da caixinha de surpresa. Eu gosto dos gols finalizados na prorrogação, dos perebas que surpreendem com jogadas insuportavelmente belas, dos jogadores invisíveis que se materializam no lugar certo quando ninguém espera, das vitórias de virada e de todos os lances únicos, daqueles que não podem nunca ser programados, porque são inventados ali, naquele exato instante em que a bola cai no pé do jogador e ele olha pra frente e enxerga uma oportunidade qualquer.

É claro que, fora de campo, a vida reserva outros momentos caixinha de surpresa. As eleições, por exemplo. Por mais que as pesquisas de opinião, cada vez mais sofisticadas, ajudem a dar previsibilidade aos resultados, ainda assim é possível sermos surpreendidos pelas urnas. O segundo turno das eleições de 2006 foi um desses momentos. Lula e Alckmin caminhavam juntos em todas as enquetes e até o final do primeiro turno. No segundo, Lula disparou e deixou Alckmin para trás, contrariando a expectativa de boa parte dos analistas, que apostavam num resultado apertado.

Já as eleições proporcionais, estas sempre reservam surpresas, porque é quase impossível tentar antecipar seus resultados usando as ferramentas convencionais de pesquisas de opinião. Em Minas Gerais são 553 candidatos a deputado federal e 977 a deputado estadual e um eleitorado próximo de 15 milhões de pessoas, espalhadas por 853 municípios com as mais diferentes histórias. Uma bela caixinha de surpresa. E se isso não bastasse, o fato das eleições proporcionais serem coincidentes com as eleições majoritárias, que mobilizam mais as atenções dos eleitores, poucos são os que já escolheram seus candidatos para o Parlamento. Muitos só se decidem na beira da urna.

Neste ano, espero, mais uma vez, um momento caixinha de surpresa nas eleições. Torço para que seus resultados nos façam recuperar a crença de que a política ainda pode ser o espaço do encontro. O espaço do diálogo verdadeiro e sincero, para troca de ideias e construção coletiva de soluções e alternativas que garantam uma vida boa para todos. Sonhar não é defeito.

Inté
Foto: minha

sábado, setembro 18, 2010

Nua e crua

Brotos de bolas de flores

A primavera está chegando. Já não era sem tempo. Não aguentava mais a mesmice de tudo desde sempre. Vamos ver se agora florescem novas ideias. Não quero nada requentado, reprogramado, repaginado. Quero é o que ainda nem existe nem foi inventado. Quero o que eu nem sei o que é, mas ainda assim é o que eu quero. E na primavera eu posso. Ou penso que posso.

Estou enfarada da vida com photoshop. Dos sorrisos perfeitos; das medidas precisas; das vanguardas moldadas em qualis; dos improvisos cuidadosamente elaborados; das falas absolutamente previsíveis, exaustivamente ensaiadas para responder exatamente aquilo que quero ouvir.

Estou exausta. Cansada das soluções mágicas que não deixam escapar saídas, a não ser aquelas devidamente sinalizadas; das promessas vazias, das promessas improváveis, das promessas razoáveis, das promessas; dos deuses, dos heróis, dos bandidos, de todas as personagens que não conseguem se reinventar e no mais de tudo que finge mudar para continuar como está.

Mas na primavera eu posso. Posso querer um amarelo como nunca antes existiu. Posso querer um bando de maritacas falando pelos cotovelos coisas que ninguém nunca nem ouviu falar. Com palavras que nunca foram ditas. Posso querer pedras no caminho para tropeçar, casca de banana para escorregar. Na primavera eu posso. Posso querer sorvete de araça azul, igual aquele que vi um dia na capa de um disco do Caetano e nunca mais vi. Posso querer um sorriso banguela, uma gargalhada dissonante, fora de hora, fora de lugar. Um discurso desconexo, desarticulado, desafinado.

Posso. Posso querer uma terra nua e crua. Um papel sem pauta, um livro sem letras, uma música sem notas. Posso querer uma foto sem cor, uma imagem sem formas, um filme sem movimento. Acho que na primavera eu posso. Posso até mais, um dia sem horas, uma vida sem destino, um vento, um ciclone, um tufão, um tornado. Acho que posso.

Inté

domingo, maio 16, 2010

Quem está vivo sempre aparece

Vista da cidade, num final de tarde

Depois do chá de sumiço, tento recolher os farelos de pão e renovar a mesa para novas degustações. De lá pra cá, o mundo não mudou muito, mas a vida ficou diferente. O tempo ficou mais curto, tudo acontece muito rápido e quase nada é digerido. As coisas ficam pra trás, passam e pronto. E a gente segue em frente. Só isso que importa: seguir. Seguir sem volta, porque atrás já vem alguém e outro alguém e mais um e outro mais.

Os espaços, parece, também ficaram menores. Eu, por exemplo, não estou mais cabendo no meu quadrado. Parece que virei Alice e, de repente, cresci de uma forma tão descabida e exagerada que não existe mais lugar no mundo que me comporte. Eu, minhas circunstâncias e minhas memórias. De uma hora para outra, não cabemos mais dentro de casa. Tem um mês que a única coisa que faço é doar roupas, brinquedos, bugigangas e lembranças para quem ainda tem espaço vago ou necessidades carentes. Passo meus fins de semana rasgando papel e tentando me desfazer de livros que já li ou que nunca vou ler só para abrir vazios que possam nos acolher.

De tudo isso, o mais difícil tem sido me desapegar dos livros. Mesmo quando consigo exercitar o desapego, não é nada fácil desfazer-se de livros. Hoje os sebos escolhem muito. Não aceitam qualquer coisa só porque é um livro. Querem saber o título, o nome do autor e selecionam obra por obra, para não ficar com estoque parado. Já falei da dificuldade de um amigo para se livrar dos seis volumes de O Capital. Não conseguiu nem a pau que o sebo comprasse a sua relíquia.

Eu estou apenas começando. Já passei uma Barsa pra frente; a Britânica está prometida para a professora de inglês do meu filho; a coleção de Históra Geral de Will Durant, para o amigo de meu outro filho e assim por diante. Mas os livros mais difíceis de nos desfazermos deles são os livros técnicos. Apesar de serem verdadeiros tesouros, pois trazem conhecimentos especializados sobre temas muito específicos, ninguém quer e você não tem coragem de jogar no lixo. Perto desses, a coleção de O Capital será moleza. Mas seja qual for a dificuldade que encontrarei pela frente, vou enfrentá-la, pois terei de cortar pela metade o nosso acervo de livro. São eles ou nós.

Mas não é só a minha casa que ficou pequena, as ruas da minha cidade também estão mais estreitas. Estão. Em algum momento que não sei precisar qual foi, as ruas da minha cidade encolheram. Só pode ser isso. Antes das férias de janeiro, gastava em média de 15 a 20 minutos para percorrer qualquer um dos meus percursos diários. Hoje preciso de, no mínimo, 45 minutos e, em alguns casos, gasto até uma hora. E não é porque as distâncias espicharam, é porque as ruas estão mais estreitas e não comportam mais o volume de carros que circula pela cidade. Ou será que tem mais carros nas ruas?

Ou será que tem mais gente na cidade? Porque também não sobra mais mesa vazia nos bares, nem cadeiras no cinema. Os hospitais estão superlotados, as igrejas estão abarrotadas, os ônibus circulam com passageiros saindo pelas janelas. É fila pra comprar pão, para pagar uma conta no banco, para ganhar um brinde, para ser atendido no consultório. Hoje, até pra ler jornal tenho de entrar na fila. É fácil?

Por isso resolvi voltar para o mundo virtual. Aqui, apesar de todos os espaços estarem ocupados, sempre tem vaguinha para mais um. Aqui posso duplicar minhas palavras, triplicar, quadruplicar, que ninguém se importa. E ninguém se importa, porque cada um só lê o que lhe interessa, o que não interessa, control/delete nele. Eu mesma, quando acho que estou abusando, dou um control/delete e me livro de tudo que está sobrando no meu espaço em poucos segundos.
Aqui a vida parece mais fácil. Menos emocionante, mais fluida ainda que a vida real, mas sobra mais espaço para todos nós.

Inté.

(Foto: minha)

sábado, março 06, 2010

Meninas, eu vi!


Eu vi, da janela da minha casa, o mundo mudando. Vi as ruas de terra do meu bairro sendo calçadas e depois asfaltadas. Vi o rio, onde pescávamos piabinhas, ser canalizado e, sobre seu leito, surgir uma larga avenida. Eu vi, andando pelas ruas da cidade, os pés de mamona, que nasciam soberanos em lotes vagos, serem cortados e lá brotarem casas. Depois vi essas casas serem derrubadas para novas semeaduras. Vi o lote onde fazíamos festas juninas ser ocupado por um prédio de seis andares! Vi as casas mudarem de cor, de fachada, de dono. Vi os jardins serem cimentados para abrigar mais um carro. Vi pés de goiaba, de jabuticaba, de abacate, que faziam nossos quintais parecerem bem maiores do que de fato eram, serem cortados um a um para dar lugar a mais um puxadinho.

Puxa vida, já vi mudando muita coisa nesse mundo. Vi o armazém do seu Fausto fechar e, junto com ele, meia dúzia de outros para dar lugar a supermercados. Vi as cadernetas serem aposentadas e substituídas por cartões fidelidade. Vi os cinemas do meu bairro desaparecerem e, no seu lugar, multiplicarem igrejas evangélicas de diferentes facções. Vi os armarinhos às moscas, até fecharem as portas para não surgir nada em seu lugar. Ninguém mais compra botão, ziper, fitinhas, lantejoulas e linhas coloridas para levar para casa e, muito menos, agulhas e alfinetes.

Vi as ruas escuras serem iluminadas, os buracos, onde nem a pé chegávamos, com o trânsito engarrafado. Vi e vejo todos os dias, os prédios, onde funcionavam faculdades, abandonados, sendo depredados por quem nem tem onde morar. Já vi, mas não vejo mais, os doidos do meu bairro, os vizinhos que sentavam nas varandas para tomar a fresca, os meninos que jogavam rouba bandeira no meio da rua, as meninas que brincavam de pique-esconde e os cachorros amarelos que vagavam pela cidade.

Vi tudo isso, mas não reparava como o mundo estava mudando. Todo dia, toda hora. Achava que era eu. Agora que a terra está tremendo, arredando de um lado para o outro, descartando ilhas, fazendo surgir novos mares, lagoas, redesenhando seu relevo, reconfigurando seu clima, refazendo o contorno dos continentes, para se adaptar aos novos tempos, confesso, não estou preparada para tantas mudanças!

Inté.

quinta-feira, março 04, 2010

Well...

Norman Rockwell

Esse mundo está muito doido. Tudo bem, vou ser politicamente incorreta, mas é quase óbvio que todos seremos. A terra treme no Chile, destrói casas, abre valas de fora a fora no meio das ruas, soterra famílias inteiras, arrebenta encanações, derruba a rede elétrica, arrasa plantações e não deixa quase nada de pé. A terra ainda treme outras trinta e tantas vezes e espalha um auê pelo país. Aí, o que acontece? Hillary Clinton, consternada, aporta em Santiago levando na malinha uma ajuda para o povo chileno: 25 telefones satelitais! Vinte cinco celulares, para resumir!

Ela mesma ficou sem graça e justificou-se: era a única coisa que poderia vir dentro do avião. Que falta de imaginação, hem? Um cheque, por exemplo! Não poderia vir dentro do avião? Algumas notinhas de dólares, não poderia? Elas cabem até dentro de uma meia, não caberiam dentro de um avião? Sinceramente, sem comentários.

Foi um mico, mas a oferta de Hillary para o povo chileno serviu para alguma coisa. Foi a mostra mais bem acabada do mundo em que vivemos. Entre as nossas necessidades, que se tornaram básicas nos dias atuais, a mais necessária de todas é o celular, porque precisamos, não sei pra quê, mas precisamos estar ligados 24 horas por dia.

Aí eu até entendo Hillary. Sua intenção foi boa. Um dia sem celular é quase como um dia sem água ou sem oxigênio. Volta e meia me pego pensando como é que minha mãe conseguiu criar seis filhos sem celular. Os meus, eu acho, prefeririam não tê-los. Ou melhor, prefeririam que pais fossem proibidos de usar celulares. Mas, como nós, eles também precisam desesperadamente de celulares, para falar nada, mas precisam.

O dia que esqueço de carregar meu celular, fico de pés e mãos atados. E, engraçadamente, são os dias em que mais preciso do celular. Ou não. Mas são os dias que percebo com mais clareza como preciso deles, mesmo odiando tê-los dentro da minha bolsa. E, como nós, os chilenos devem sentir falta também de seus celulares, perdidos no meio de escombros. Talvez Hillary tenha acertado. A fome, uma hora passa, o frio vai embora, a tristeza com as perdas irreparáveis, acaba que nos conformamos, mas a necessidade de pertencermos a esse mundo nunca nos abandona.

Inté

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

O espetáculo tem de continuar

Estava escrito num muro qualquer do mundo (Foto: minha)

Hoje está o ó! Não tem jornal, não tem café na mesa, não tem pão, não tinha internet até poucos minutos atrás. Só resta faltar a brisa fresquinha que bate pela manhã, por pouco mais de 30 minutos, aliviando o calor da madrugada adentro e o que virá no resto do dia. A chuva parou São Paulo, a greve dos motoristas de ônibus está parando Belo Horizonte. Não me espanto com os problemas que estamos enfrentando para lidar com esse nosso dia a dia insano. Me espanta como, em dias normais, tudo isso funciona harmonicamente, fluindo como a água de um rio serpenteando o vale.

Ontem, estava parada num congestionamento e fiquei olhando o formigueiro de pessoas correndo de um lado para outro, entrando na padaria, comprando pão, que, milagrosamente, aparecia prontinho no cesto; comprando o leite que, magicamente, também surgia embalado na prateleira ou uma coca que, da mesma forma, como se fosse geração espontânea, saia engarrafada e geladinha de outro freezer. Fiquei olhando as luzes dos postes se acendendo como um efeito photoshop na paisagem da cidade.

Na pracinha, o zelador aproveitava o sumiço do sol para molhar as plantas que, até elas, andam amarelando com o calor insuportável desse fevereiro. E a água saia na mangueira como se sempre estivesse ali, bastando abrir a torneira. Todos os dias até o fim do mundo. E uma mulher entrando devagar na farmácia, provavelmente procurando alguma pílula que a faça dormir apesar do mormaço sufocante das noites desse verão. E ela entra e, com certeza, vai encontrar a sua pílula, já forjada e dourada, numa prateleira qualquer. Vai encontrá-la, porque também sempre esteve ali, só esperando a chegada de alguém para buscá-la.

Ao mesmo tempo, em qualquer canto da cidade, alguém vai ligar a televisão e as imagens vão aparecer na tela como se fossem sonhos que vagueiam perdidos na nossa mente e, de repente, se materializam em novelas, jornais, filmes e anúncios de qualquer besteira. No momento mesmo em que estava ali, engarrafada no trânsito, alguém em algum lugar, dava descarga no banheiro, alguém acendia o fogão, alguém ligava para outro alguém, alguém tirava dinheiro no caixa eletrônico, alguém procurava um médico no pronto socorro, alguém comprava uma revista na banca, alguém parava no sinal fechado e tudo funcionava, mal ou bem, mas funcionava, porque fazem parte desse mundo mágico em que vivemos onde tudo funciona como deveria funcionar sem que ninguém nos obrigue a levantar às quatro horas da manhã e nos ordene a por em marcha essa complexa engrenagem que faz a vida rolar, um pouco mais ou um pouco menos, mas rolar em qualquer biboca do mundo.

Tudo funciona, como se as cidades abrigassem batalhões e batalhões de anjos invísíveis, operários incansáveis dessa louca invenção dos homens, que são as cidades. Por isso, quando alguém decide, seja por qualquer razão que for, interromper esse fluxo contínuo do fazer-fazer, o que me espanta não é que tenham parado, mas porque só agora pararam!

Inté de repente, quando a vida voltar a fluir!

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Sete vidas

O melhor de não ter nada para fazer é poder ver o por do sol.
(Foto minha)


Onde é mesmo que nós estávamos? Ah, sim! Por aí. Outro dia mesmo, por exemplo, estava andando na areia e, enquanto isso, a terra tremia oitenta e tantas vezes no Haiti. Outra hora, estava lá, escondida debaixo de uma sombra, e, enquanto isso, a chuva despencava em São Paulo. Estava tomando uma coca gelada e, do outro lado, a anistia ampla, geral e irrestrita torrava na frigideira. Mais tarde, caçava nuvens no céu, e os Estados Unidos desistia da lua para concentrar seus investimentos apenas no transporte espacial comercial. Cochilava no sofá e ouvia, de longe, muito longe, a voz de Pedro Bial e a musiquinha do BBB. Definitivamente, enquanto andava por aí, não recebi nenhuma boa notícia, mas não me senti culpada por nada disso. É a roda da vida.

Além disso, estava fechada para balanço. 2009 não foi um ano, digamos assim, normal. Os dias galoparam, como sempre. Mas, em vez de correr atrás, que era o que andava fazendo nesses últimos tempos, entrei no clima do horóscopo chinês. No ano do Boi, preferi ficar ruminando no pasto. Resultado: tudo que estava para ser feito ou não foi feito ou ficou pela metade. Num caso ou no outro, não importa, fiquei devedora, mas não me senti culpada por nada disso. Não foi só eu que preferiu passar um ano pastando. Muita gente boa também gostou da ideia. Resultado: virei credora de outras tantas pessoas que, da mesma forma, deixaram coisas por fazer em 2009. Estamos quites.

Mas se essa mesma premissa prevalecer para 2010, acho que já estou atrasada. Segundo meu consultor para assuntos aleatórios, no horóscopo chinês, 2010 é o ano do Tigre, representa a coragem, a potência, a ousadia e a paixão. As previsões são péssimas e fantásticas. Aliás, essa é a principal característica do Tigre: nada é pequeno ou pouco. Tudo tem dimensões avassaladoras. Será um ano explosivo, para o bem e para o mal. Pelo que já vimos, até agora, o melhor é não duvidar, mas também não vou ficar impressionada com essas previsões.

O que imagino é um pouco diferente disso. Para mim, o tigre é um gato grande. É esperto, ágil, veloz, independente e sabe se defender muito bem. Até admito, às vezes é traiçoeiro e feroz, mas não é por acaso. Antes disso, como um gato grande, é dengoso, dócil e leal com aqueles com quem se afina . Mas, especialmente, o tigre, como os gatos, tem sete vidonas. O que isso significa? Significa que pode errar sete vezes mais do que nós, pois terá sete novas oportunidades para começar de novo.

No ano do Tigre, acho que poderemos ousar mais, fazendo tudo diferente do que já fizemos. Poderemos inventar outros jeitos de estar no mundo, inverter as listas de prioridades, experimentar novas cores, novos sabores, novos sons, novas paisagens. Poderemos refazer o que já fizemos, mudando tudo de lugar, inovando, recriando, concebendo novas formas, novas conexões, novos planos. Se der errado, não tem problema, faremos tudo de novo e de novo e de novo, sete vezes, se for necessário.

Por isso, acho que já estou atrasada. Faltam apenas duas semanitas para o carnaval e eu ainda nem comecei a pensar e, muito menos a traçar, meus planos para 2010. É melhor não perder mais tempo, vamos lá 2010! Que venha o Tigre! Vamos todos errar um pouco, quem sabe assim a gente acaba acertando, né?

Até de repente.