sábado, março 06, 2010

Meninas, eu vi!


Eu vi, da janela da minha casa, o mundo mudando. Vi as ruas de terra do meu bairro sendo calçadas e depois asfaltadas. Vi o rio, onde pescávamos piabinhas, ser canalizado e, sobre seu leito, surgir uma larga avenida. Eu vi, andando pelas ruas da cidade, os pés de mamona, que nasciam soberanos em lotes vagos, serem cortados e lá brotarem casas. Depois vi essas casas serem derrubadas para novas semeaduras. Vi o lote onde fazíamos festas juninas ser ocupado por um prédio de seis andares! Vi as casas mudarem de cor, de fachada, de dono. Vi os jardins serem cimentados para abrigar mais um carro. Vi pés de goiaba, de jabuticaba, de abacate, que faziam nossos quintais parecerem bem maiores do que de fato eram, serem cortados um a um para dar lugar a mais um puxadinho.

Puxa vida, já vi mudando muita coisa nesse mundo. Vi o armazém do seu Fausto fechar e, junto com ele, meia dúzia de outros para dar lugar a supermercados. Vi as cadernetas serem aposentadas e substituídas por cartões fidelidade. Vi os cinemas do meu bairro desaparecerem e, no seu lugar, multiplicarem igrejas evangélicas de diferentes facções. Vi os armarinhos às moscas, até fecharem as portas para não surgir nada em seu lugar. Ninguém mais compra botão, ziper, fitinhas, lantejoulas e linhas coloridas para levar para casa e, muito menos, agulhas e alfinetes.

Vi as ruas escuras serem iluminadas, os buracos, onde nem a pé chegávamos, com o trânsito engarrafado. Vi e vejo todos os dias, os prédios, onde funcionavam faculdades, abandonados, sendo depredados por quem nem tem onde morar. Já vi, mas não vejo mais, os doidos do meu bairro, os vizinhos que sentavam nas varandas para tomar a fresca, os meninos que jogavam rouba bandeira no meio da rua, as meninas que brincavam de pique-esconde e os cachorros amarelos que vagavam pela cidade.

Vi tudo isso, mas não reparava como o mundo estava mudando. Todo dia, toda hora. Achava que era eu. Agora que a terra está tremendo, arredando de um lado para o outro, descartando ilhas, fazendo surgir novos mares, lagoas, redesenhando seu relevo, reconfigurando seu clima, refazendo o contorno dos continentes, para se adaptar aos novos tempos, confesso, não estou preparada para tantas mudanças!

Inté.

Um comentário:

Ana Márcia disse...

Viajei no tempo. Tinha também urubus e moscas. E pai e mãe na função expressa. E aí, me horroriza mesmo é o que se repete - as mesmas queixas de quem tinha nossa idade naquela época. Ai ai ai ui ui ui e "que absurdo", "se sua avó visse isso não ia acreditar", "não se pode mais confiar ninguém", "não sei o que vai ser desses meninos de hoje", "o mundo está acabando", "a comida de antigamente era muito melhor", "hoje em dia querem tudo fácil", "que indelicadeza". Vem uma urgência de mudar.