quinta-feira, novembro 27, 2008

Batmacumba


Cidades prisioneiras

Esse povo é doido de dar com pedra. Só pode. O mundo rola ribanceira abaixo e não adianta um tico de nada. Todos continuam no mesmo lugar onde sempre estiveram, com o mesmo trololó de desde antes. Ninguém merece. Agora, até Barack Obama e Lula entraram na dança. Estão esperando o quê? Que sejamos nós os heróis da pátria? Nós, pobres trabalhadores, com o dinheiro contadinho para chegar ao final do mês? Nós, que ficamos contando moedinha bem ali, na boca do caixa, aguentando a fila resmungando pela nossa demora? Nós, que nunca desfrutamos do mundo irreal, nunca apostamos no cassino internacional, nunca nada que não estivesse exatamente ao alcance de nossas posses, vamos nós, agora, ter de tirar o mundo do fundo desse redemoinho onde foi jogado? Ah, nem! Me poupem.

Fico apoplética ao ver os grandes líderes mundiais, se é que são, virem, sem nenhuma cerimônia, conclamar o seu eleitorado a comprar, comprar, comprar, como se esse fosse o único gesto capaz de salvar o mundo, nessa altura da viagem. Parece o mantra daquele menininho que fazia propaganda de Batom na televisão. Coooompre batom, cooommpre batom, cooommpre batom, até a mãe não aguentar mais e comprar o diabo do chocolate pro diabinho que atormentava a sua orelha. Daqui a pouco somos nós que não suportaremos mais a ladainha dos chefes de governo da Europa, dos EUA, da China e do nosso brasilzinho. De repente, lá vamos nós, às compras, desvairados, até sucumbirmos em dívidas. Tô fora. Acho que o Lula deveria é baixar uma medida provisória, um decreto federal ou seja lá o que for, adiando o Natal para o ano que vem. Teria o meu apoio incondicional. Abaixo o Natal, desde já!

Não é pelo dinheiro não, porque dinheiro, como já disse meu pai, foi feito para gastar e eu sou obediente. Não tenho nenhum apego, nem por nota de 100 reais nem pelas mixurebas de 20 e de 10 que caem na minha mão. Gasto, sem dó nem piedade. Claro que, na medida do possível, cuido do futuro também, porque não sou besta desse tanto e tenho dois filhos pra criar, mas não jogo no cassino. O que me aporrinha nesse mantra é uma questão de outra ordem. Duas, para ser mais exata. A primeira, diz respeito à falta de criatividade desse povo doido de dar com pedra. Estão vendo que o mundo, do jeito que eles criaram, não funciona mais. Estão vendo ou não estão? Estão, claro que estão, mas insistem em repeti-lo. Propõem soluções que reproduzem a mesma lógica aloprada do consumismo desenfreado, beirando o mundo irreal do mercado financeiro. São doidos.

A segunda é mais grave. Comprar, comprar, comprar significa, consumir, consumir, consumir, que, por sua vez, significa produzir, produzir, produzir, que é a mesma coisa que consumir, consumir, consumir, todo tipo de metal e minerais e mais árvores, energia, água e tudo que for necessário para fabricar um carro, uma bicicleta, uma boneca de olhos azuis, uma bola, um caderno, uma caneta, uma caneca, um vestido, uma galocha, um cinzeiro, um copo descartável e assim por diante. E hoje, nosso consumo dos recursos naturais já supera em 30% a capacidade de o planeta se regenerar. Se mantivermos esse mesmo ritmo alucinante que estão nos sugerindo, somado ao crescimento populacional, amanhã mesmo, em 2030, já estaremos precisando de mais dois planetas para nos mantermos. Duas Terras! Onde vamos achar isso? Em Marte? Mercúrio? Na lua? Nem São Jorge nos salva dessa!

A água, por exemplo, um recurso relativamente abundante na Terra. Hoje, agora-agora, já está faltando. A cada oito segundos uma criança morre no mundo por falta de água potável, são cerca de 3 milhões ao ano. Pronto, lá se foi mais uma. O presidente-executivo da organização não-governamental Green Cross, Alexander Likhotal, que está em Belo Horizonte, participando do Fórum Internacional Diálogos da Terra no Planeta Água, é quem fez esses cálculos. E, para ele, "as pessoas precisam compreender que os efeitos das alterações climáticas, a falta de água limpa, a poluição são problemas tão graves quanto a desordem financeira que vivemos atualmente. Seremos penalizados de forma cruel se não tomarmos consciência disso".

Em entrevista ao jornal Estado de Minas, Likhotal estimou em cerca de 2,4 milhões o número de pessoas que hoje sofrem com a escassez de água. Para resolver esse problema, ele calcula que seria necessário investir uma bobagem em torno de US$ 50 por cabeça. Ou seja, US$ 120 milhões por dez anos, para acabar com essa miséria. Pechincha, hem? Perto dos US$ 45 bilhões que o Tesouro americano liberou ontem para o Citybank é mixaria, ou não é? Perto da fortuna que os bancos centrais do mundo todo já liberaram para as instituições financeiras em risco não é nadica de nada. Perto do que já gastaram com guerras perdidas, menos ainda. Mas a vida já é tão abundante nesse planeta, né? Salvar pra quê? Tá sobrando. Deve ser assim que eles pensam.

São todos doidos de dar com pedra. Por isso não perdem uma noite de sono tentando inventar um modelo econômico mais amigável, que garanta o bem estar de todos e o equilíbro ambiental do planeta. Por isso não se dão ao trabalho de esquentar a cabeça, queimar a pestana, arrancar os cabelos para criar um modelo diferente desse que aí está. Pra mim, são todos, no mínimo, pais desnaturados. Como eles imaginam que seus filhos irão sobreviver? Vão comer dinheiro? Beber moedinhas? É isso que me aporrinha.

Inté, moçada.
Foto: minha mesma.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei da idéia, Patrícia: adiar o natal para o próximo ano. Indefinidamente... Seria tão bom, ficaríamos mais magros, ficaríamos menos tempo em engarrafamentos e menos duros em janeiro. E talvez até voltasse um pouco daquela coisa que um dia se chamou Natal.