quinta-feira, novembro 13, 2008

Queridos, encolhi o mercado!



Enquanto tento escapar dos engarrafamentos e sobreviver às ameaças de motoristas estressados, vou ouvindo no rádio as profecias agourentas que vão sendo alinhavadas para o futuro próximo da indústria automobilística mundial. A impressão que tenho é que, no próximo fim de semana, estarão todas, inevitavelmente, fadadas a entulhar os ferros-velhos que se multiplicam na periferia da cidade. Faz de conta que acredito. Vão mesmo virar sucata, mas só nos próximos duzentos anos. Agora, esqueçam. Teremos ainda de conviver com essa geringonça chamada automóvel por bons e longos séculos, simplesmente porque, à nossa revelia, eles se tornaram indispensáveis.

De bens de luxo, destinados a uma minoria muito rica, os carros se popularizaram e, rapidamente, entupiram as ruas das cidades e foram alçados à condição de motor da economia do planeta. André Gorz refaz esse caminho, quilômetro por quilômetro, no texto A ideologia social do automóvel, publicado na coletânea organizada por Ned Ludd e intitulada Apocalipse Motorizado - A tirania do automóvel em planeta poluído , disponível na internet. Não vou, portanto, repetir o que já está dito, só recomendar: leiam! Faz bem e não engorda.


Gorz é trágico ao descrever a nossa dependência do automóvel. Ele nos prova que quanto mais a indústria automobilística avança, produzindo carros cada vez mais velozes e eficientes, mais dependentes nos tornamos dela. E isso faz sentido. Quando os automóveis deixaram de ser mero objeto de desejo para se tornarem objeto de consumo de todos nós, as cidades tiveram de se adaptar aos seus caprichos. Abriram-se ruas, avenidas, estradas, auto-estradas, passando por cima de casas, comunidades, vilas e de tudo que nos acolhia. Vivemos hoje em cidades fragmentadas. Tudo é longe, qualquer lugar ficou distante de nós e só chegamos lá a tempo, aos trancos e barrancos, se tivermos um possante nas mãos. As cidades se tornaram passagens mal assombradas, que percorremos solitariamente, para alcançarmos o nosso destino. Há muito, deixaram de ser espaços de convivência.

Hoje gastamos boa parte do nosso dia dentro de túneis-móveis de plástico e vidro. Cortamos a cidade de ponta a ponta, para trabalhar, para ir às compras, para estudar, para ver os amigos, para nos divertir ou para nos distrair. É o nosso fado. Mas Gorz é crédulo. Ele tem esperança de que iremos nos libertar dessa condenação. Não destruindo as fábricas de automóveis a ferro e fogo ou a borduna, que seja, mas reconstruindo nossas cidades. Tornando-as novamente espaços de convivência e, de tal forma, que poderemos dispensar e prescindir por completo do transporte, seja carro, buzão ou qualquer outro meio que venha a ser inventado. Torço com ele. E até desconfio que essa empreitada poderá ser a nossa salvação. Irá nos mobilizar por muito tempo, gerar muitos empregos, criar novas necessidades e mover a economia do mundo, soprando novos ares e salvando-a da crise em que está se enterrando e das ameaças do aquecimento global.

Mas, por enquanto, durante o ajuste da economia virtual à economia real, o que vamos assistir é só uma versão menos engraçada do filme Querida, encolhi as crianças e um salve-se quem puder sem fim, a 120 quilômetros por hora.

Inté, que já estou atrasada.

Fotos: minhas, da série Relíquias


4 comentários:

Anônimo disse...

É mesmo pouco provável que todos venham a concordar em viver sem carro. Difícil também me parece que construamos uma cidade que não necessite de transporte. Ponho alguma esperança na tecnologia. Lembra daquela mochila com jato que fazia o cara voar no desfile da Mangueira em 2000 ou 2001?

patricia duarte disse...

Hehehe...Lembro dos Jetsons. Aliás, acho essa história de que as inovações tecnológicas andam de airbus e mudam o mundo numa velocidade estonteante, uma balela. Os carros continuam sendo os mesmos carros de sempre, incorporaram algumas inovações, mas não mudaram o princípio que os move. Nada de novo no reino da Dinamarca. O teletransporte, que seria a grande inovação, continua sendo uma ficção. Ó céus!...

Anônimo disse...

Não uso jóias, nem paetês, nunca fiz plástica, não uso echarpe, nem salto. Mas tenho um luxo: não preciso de automóvel. Isso não é o máximo?

patricia duarte disse...

E é mesmo! Não precisar de carro, morando numa cidade cheia de ladeiras e ribanceiras como a nossa, onde tudo é um pouco longe e alguns lugares já são bem distantes mesmo, é um luxo. É chique mesmo. Esse é o objetivo que vou perseguir doravante. Ei de conseguir! (rsrsrs)