Tarcísio Meira, Glória Menezes, Marcos Frota e Afonso Ávila. O que esses nomes têm em comum? Absolutamente nada, a não ser o fato dos quatro terem me escapado da lembrança justamente na hora em que iria citá-los em diferentes conversas. Mas depois de algum esforço consegui recuperá-los por inteiro, portanto, sem problema. Como disse uma amiga, esses lapsos acontecem. Estou concordando cada vez mais. Afora o desconforto de não deixar a conversa fluir, esses esquecimentos não chegam a me perturbar, só me causam pânico quando se inicia uma nova conversa, ou seja, pelo menos umas cinqüenta vezes por dia.
Mas, sinceramente, não me incomodo de esquecer uma palavra ou outra. Sempre encontro um sinônimo ou uma definição que as substituem até com mais poesia. Mas nome próprio, título de filme, de livro e similares é realmente um mico que não tem tamanho. E é na hora em que a conversa está engrenando é que dá o branco. Aí, pronto. A conversa dispersa e fica você lá, brincando de
Qual é a palavra?. Lembra do anúncio que a Fernanda Montenegro gravou? Já me esqueci qual era o produto ou serviço que ela anunciava, mas o roteiro é o mesmo do jogo:
- O fulano, que trabalhou naquele filme.
- Qual filme?
- Aquele que tinha aquela atriz de cabelos curtinhos, que morria no final.
- Qual? Não estou situando.
- Ele era casado com aquela mulher que armou um barraco uma vez num bar.
E aí vai boa parte da noite. Depois ninguém se lembra mais de por que estávamos falando sobre o fulano e mudamos de assunto e começa tudo de novo. Um horror. Acho que a culpa é da tecnologia. Antes dela, exercitava a minha memória com muito mais freqüência. Guardava de cabeça números de telefone, endereços de amigos e de amigos dos meus amigos, datas de aniversário, tabuada, fórmulas matemáticas, conjugação de verbos e mais infinitas listas: os dez filmes que mais gostei; os dez livros que leria mais de uma vez, mais de duas, mais de três; dez atores irrepreensíveis; dez diretores que mudaram a história do cinema e assim por diante.
Hoje por que precisaria ocupar a minha cabeça com essas informações. O celular me dá na hora o número que preciso discar e ainda faz conta, tira foto, filma, toca música e o escambau. As comunidades virtuais, como o Orkut, me avisam a data de aniversário dos amigos e, se esqueci o nome de alguma celebridade,
Google nela. O único problema é quando estou longe de um computador. Mas até isso já está sendo resolvido. Um amigo me enviou outro dia uma notícia sobre o lançamento dos
cyber googles, uns óculos cibernéticos, que estão sendo desenvolvidos por pesquisadores da Universidade de Tókio. Eles são capazes de gravar em vídeo tudo que o usuário vê ao longo do dia.
Segundo a matéria, o
cyber googles, se é que existem mesmo, têm um programa de reconhecimento de imagens ultraveloz, que analisa, nomeia e cataloga os objetos que aparecem nos registros. Assim, ao longo do dia, se você precisar se lembrar de alguma coisa, basta pesquisar as imagens arquivadas. Bacana. Quando estiverem sendo comercializados serão muito úteis. Para os meus filhos, talvez. Para eles sim, tenho certeza de que sim. Aliás, como diz meu consultor para assuntos aleatórios, esse é o mundo deles. Não tem Che, Fidel, direita, esquerda, guerrilheiros, fronteiras e outras invenções do mundo moderno, que só não foram ainda deletadas, porque nós insistimos em mantê-las vivas.
Meus meninos não fazem questão. Outro dia, o meu mais novo, respondendo ao desafio que lançamos para ele, sobre como resolver o problema da desigualdade social, foi curto e criativo. Citou outros óculos, que estão sendo desenvolvidos por não me lembro quem, e que nos dão, em três dimensões e com vista de diferentes ângulos, a reprodução hiper real de todo e qualquer objeto que quisermos. Poderemos todos morar em casas simples, apenas com o absolutamente necessário; ter uma vida radicalmente monástica; e, ainda assim, realizarmos todos os nossos desejos de consumo, de uma Ferrari do ano a um
magret de pato. Bateu uma vontade, é só por os óculos e teremos tudo o que quisermos, experimentando as mesmas as sensações de quem, de fato, um dia teve essa chance. Simples assim.
Mas isso é para eles. Nós, mesmo tendo ainda muito chão pela frente, não sei se faremos a travessia. Então, o jeito é voltar a exercitar a memória, com o mesmo empenho que dedicamos, diariamente, aos 45 minutos de academia. Só não faço palavras cruzadas. Não faço mesmo. E, sabendo disso, uma amiga me deu outra sugestão: decorar poesias. Pelo menos duas por mês. Para iniciar esse programa, ela até já me passou um poeminha do Mário Quintana, bem simples e pequenininho. Fácil mesmo de decorar, olha só:
Os degrausNão desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
Depois de vencer essa primeira etapa será preciso, no entanto, ir sofisticando, complexizando, se não o exercício perde seu efeito. Então, vamos lá!
Uma semana de decoreba para todos. Valerá a pena. Se for para decorar belos poemas, como esse que ganhei de uma amiga, que ganhou de uma amiga, tenho certeza de que valerá.
Inté outro dia.
Foto: pesquei na internet