domingo, setembro 14, 2008

Não somos loucos, somos únicos

Ópera de Arame
Os ingleses continuam em forma. Não sei o que seria de mim, se não fossem eles. Sempre que sinto que estou prestes a enlouquecer, são eles que me socorrem. Provam incontestavelmente a minha normalidade, não apenas porque são muito mais loucos que eu, mas porque demonstram que aquilo que achava que era loucura é absolutamente normal. Desta vez, foram os pesquisadores da Universidade de Portsmouth que vieram me resgatar. Tenho uma péssima memória para fatos passados. Também não sou boa para guardar nomes nem fisionomias, mas tenho estratégias bem eficientes para me proteger de micos. E fotografias. Milhares, que não me deixam esquecer os bons momentos que já vivi.

Em compensação tenho lembranças incríveis de coisas que nunca me aconteceram. Reconstituo histórias inteiras, personagens que nunca existiram, cidades onde nunca estive, sonhos que nunca sonhei. Me lembro perfeitamente de casas que nunca habitei. Das salas compridas e escuras, dos quartos com três janelas, de portas que se abrem para cômodos que não sabia que existiam. Me lembro de uma árvore que jamais vi, gigantesca, frondosa, de pequenas folhas verdes, quase negras, sem flores, sem frutos, sem nada, mas com uma sombra imensa e acolhedora. Às vezes me ocorre que essa árvore inexistente é aquela onde Alice estava quando lia seu livro e viu um coelho correndo passar e sumir dentro de um toca aberta no chão. Mas Alice nunca esteve recostada no tronco dessa árvore. Quando viu o coelho, estava sentada no barranco, junto à sua irmã. Mas ainda assim, acho que ela poderia muito bem estar sob a sombra dessa árvore.

Meu caçula me disse uma vez que essas lembranças não são invencionices, são lembranças de vidas passadas. Às vezes, ele é muito místico. Eu sou muito prática. Acho que são apenas flashs do passado que se misturam. Mas seja o que for, não é loucura. James Ost, pesquisador da Universidade de Portsmouth provou que todos nós somos capazes de recordar memórias de coisas que nunca existiram. No experimento, ele entrevistou 300 pessoas sobre as recordações que guardavam do atentado ao ônibus em Tavistock Square, em Londres, ocorrido no dia 7 de julho de 2005. As entrevistas foram feitas três meses após o atentado, um prazo bem razoável para garantir que as lembranças ainda estivessem bem vivas. Um exercício bem facilzinho, considerando que a série de explosões que atingiram o sistema de transporte público da cidade naquele dia, bem na hora do rush, teve uma repercussão internacional, provocou 52 mortes, deixando cerca de 700 pessoas feridas.

O resultado foi surpreendente. Para minha avó, apenas óbvio. Dos entrevistados britânicos, 40% afirmaram ter visto imagens de um circuito interno de televisão no momento da explosão do ônibus, enquanto 28% afirmaram ter assistido a uma reconstrução computadorizada do evento. No entanto, nenhuma das duas imagens do ataque existe. Ost concluiu, então, que as memórias "não são perfeitas. Não são como uma fita de vídeo que você pode rebobinar e assistir novamente para lembrar com perfeição". As pessoas fantasiam, enganam a si mesmas ao acreditar que viram coisas que jamais poderiam ter sido vistas, já que nunca existiram. Ou seja, Ost concluiu o que a sabedoria popular sempre soube: quem conta um conto aumenta um ponto. Minha avó sempre me alertou para isso. E mesmo antes dela me avisar, nós, crianças, já sabíamos disso. Quem nunca brincou de telefone sem fio? Até meus meninos, que são novos, já passaram por essa experiência.

Mas não menosprezo o experimento de Ost. A prova científica tem um valor inestimável. E resgatar essa discussão no mundo contemporâneo tem uma importância ainda maior. Somos bombardeados, diariamente, por milhões de informações, vindas de todas as partes do mundo. Mas essas histórias que assistimos ao vivo e a cores, como se fossem reais, fatos de fato, são apenas histórias, como Ost provou.

Por isso, amigos, fiquem espertos. Quando saírem por aí navegando ou quando se acomodarem em frente à televisão para assistir ao noticiário, não se esqueçam: desconfiem! Dêem um desconto, subtraiam. O pior que pode acontecer é surgir uma nova história. Nem mais nem menos fantasiosa que aquela que vocês acabaram de ver.

Uma bela semaninha, de lembranças inesquecíveis de tudo aquilo que nunca viram nem nunca viveram.

Inté
Foto: do Topi, em Curitiba.

4 comentários:

Clará disse...

Nossa, essa pesquisa mudou a minha vida! Tbm tenho certeza que muitas das minhas lembranças são inventadas! Mas nem por isso menos significativas, né?
Topi arrasou nas fotos!
bjim

JLM disse...

olá

e pensar q mtas cores em nossas vidas vêm da imaginação e da criatividade! se não fosse por elas, qta gente levaria vidas desbotadas ou apagadas. er, bem, tem mta gente assim, não é?

e se a realidade é algo subjetivo, a fantasia tb o é. os cientistas já provaram q a imaginação e a visualização estão localizadas na mesma área do cérebro, ou seja, tudo oq vc imagina ou vê, para ele é a mesma coisa.

para os escritores, fantasiar é viver, e vice-versa. para as crianças tb. e quem disse q não são mais felizes assim? eu acho q vale a pena testar.

1 abraço.

Sue disse...

Achei vc no Amálgama. Gostei do post. Curioso mesmo!
Sabe que eu digo para minha mãe que me lembro com perfeição do dia que saí da maternidade e ela não acredita? Mas eu juro que tenho essa lembrança na cabeça..rsrs Alías, tenho uma memória incrível para certas coisas. Vai entender. Mas eu não sou louca :=P
Abçs

patricia duarte disse...

Obrigada meninas e jlm. Não me esquecerei de vocês (rsrsrs). Mas fico boba Su, vc se lembrar da maternidade onde nasceu. Lembro muito pouco de fatos da minha infância, mas tenho bons sentimentos dessa época. Isso deve dizer alguma coisa. Mas minha memória é bem ruinzinha mesmo, por isso prefiro me lembrar de coisas que não vivi. abs