quinta-feira, setembro 04, 2008

Esposa dedicada

Minha amiga, que vive assoberbada como eu, teve uma idéia. Para ela, nós mulheres, deveríamos ter também uma esposa dedicada. Assim, quando voltássemos do trabalho, encontraríamos a casa em ordem, com todas as providências encaminhadas, os filhos já assistidos e as gavetas arrumadas. Teríamos tempo de sobra para nos estirarmos numa poltrona, esticarmos as pernas e suspirarmos aliviadas com o fim do dia. É uma idéia, só não sei se é boa. Já pensou, amiga, a gente chegando em casa, depois de um dia estafante, e ainda termos de ouvir a ladainha fastidiosa dos problemas corriqueiros de uma casa? Ou você acha que ela vai fazer com perfeição tudo aquilo que fazemos mais ou menos sem nem reclamar? Claro que vai.

Não tenho uma esposa dedicada, mas tenho uma aliada na minha república. Ela procura fazer tudo da melhor maneira possível, embora o seu melhor esteja bem aquém daquilo que eu mesma considero como sendo o melhor. Quando entro em casa, na hora do almoço, sempre correndo, ela não perde a oportunidade. Em tom de ameaça, ela já vai me avisando:

- Óh, o gás já está quase acabando!
-....

Agora me diga, amiga, o que eu posso fazer se o gás está quase acabando? Acabou? Não, não acabou. Está quase, mas não acabou. Então, precisava de me ameaçar com esse detalhe irrelevante? Não, mas ela faz questão de me colocar a par dessa situação, como se estivéssemos correndo um risco incalculável. Me lembra, a todo instante, que está faltando alguma coisa em casa: fermento biológico para fazer massa de pizza; toddy, para fazer um bolo de chocolate com cenoura; iogurte natural para fazer um frango indiano e pimentão vermelho para dar um toque colorido na salada. Às vezes desconfio que, no fundo, no fundo, ela até gosta quando falta tanta coisa lá em casa, assim ela pode ficar no arroz com feijão, sem dor na consciência. Mas não deixa de me cobrar.

Então, não vamos nos iludir, amiga. A nossa esposa dedicada acabaria também reclamando muito, cobrando despropositadamente, nos ameaçando, assim que puséssemos os pés dentro de casa. Nem acho que esse é um comportamento só das mulheres não. Desconfio que é uma característica da espécie humana. Estamos sempre reclamando de alguma coisa. Olha essa história do petróleo. Nós, brasileiros, vivíamos resmungando pelos cantos, questionando como era possível nossos vizinhos terem tanto petróleo e o Brasil uma merreca de reservas. Aí, alguém descobre que é provável que o Brasil tenha muito mais petróleo do que jamais imaginou. Ficamos satisfeitos? Claro que não.

Tem gente que acha que as reservas dos novos poços na baía de Santos estão superestimadas. Outras, que as reservas do pré-sal são inexploráveis, tamanho o investimento que terá de ser feito no desenvolvimento de tecnologias apropriadas a sua extração. E outras acham que o Brasil deu um grande azar. Foi dar de encontrar petróleo justo agora que o preço está em baixa! Quem entende isso? Todo mundo sabe que, daqui pra frente, e nos próximos cem anos, dificilmente encontraremos energia barata. Ou não? Mas, para reclamar, vale até se esquecer desses detalhes irrelevantes.

E as Olimpíadas? Lembra? Aquelas crianças lá, se esforçando até a última gota de sangue, disputando com os melhores de todas as partes do mundo, e nós aqui, tripudiando, menosprezando, ridicularizando o empenho de cada uma delas. Queríamos era mais, muito mais. Nem bronze nem prata. Só ouro e olhe lá. Por isso, fico cismada de que gostamos mesmo é de reclamar. Queixar ao bispo. E nem somos só nós, brasileiros. Olhe os americanos. Estavam danados com bush, aquele. Todas as pesquisas apontavam esse descontentamento. Aí encontram um candidato à presidência do império que agrada a gregos e troianos. Ficam felizes? Não. No dia seguinte já começam a reclamar. O cara nem foi eleito, nem assumiu nada e já foi avaliado. Não será um bom presidente, não tem experiência, é indeciso, é confuso, é isso, é aquilo. Todo mundo reclamando.

Pode ser? Só pode. Por isso, amiga, acho que uma esposa dedicada é uma idéia, só não sei se é boa. Acho que prefiro continuar do jeito que sempre foi, eu reclamando de mim só comigo mesma, envolve menos gente e faz menos confusão.

Inté de repente ou quando der.


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