Meninas, desistam. Em menos de duas gerações, fizemos uma revolução nas nossas vidas, mas no mundo, nada mudou. A terra continua girando em torno do sol; o boi no pasto, ruminando o capim; o galo cocoricando no galinheiro; e o cachorro latindo no quintal. Isso para não falarmos do leite entornando no fogão, quando nos viramos para pegar a leiteira, que sempre esquecemos do outro lado da pia. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.
Não vou nem comentar a pesquisa do IBGE, divulgada essa semana, sobre a quantas anda a divisão do trabalho doméstico nos lares brasileiros. É discorrer sobre o óbvio. Mas uma coisa me deixou muito intrigada e outra revoltada. Mesmo trabalhando fora, cuidando da casa, da família e reservando oito horas de sono por dia, nós ainda dispomos, segundo o cálculo dos pesquisadores, de quatro horas livres, diariamente, só para cuidarmos de nós mesmas.
Ouvi esse dado no noticiário do CBN Brasil. Achei exagerado. Mas a repórter ainda se deu ao trabalho de explicar: são quatro horas por dia para cuidarmos da nossa higiene pessoal, para lermos um livro, um jornal, para ouvirmos música, cantarmos, dançarmos e essas coisas. Não disse? Como não podemos deixar de tomar banho, ir ao banheiro, escolher uma roupa para irmos trabalhar, pentear o cabelo e assim por diante, dessas quatro horas, descontaria, sem nenhuma cerimônia, pelo menos uma hora e meia. Ou seja, na prática, temos duas horas e meia livres de tudo.
Mas não é com isso que fiquei intrigada. De noite, quando cheguei em casa, fui conferir a notícia e os dados para ter certeza dos meus direitos. Duas horas e meia não são lá essas coisas, mas já é um tempinho bom para nos dedicarmos ao nobre ofício de fazer nada. Só que, aí sim, a surpresa! Não encontrei mais essa informação em lugar nenhum, nem no site do IBGE! Está certo que não baixei o arquivo da pesquisa, não ia gastar as minhas preciosas duas horas e meia fuçando o site do IBGE, atrás de planilhas de dados, né? Fui no texto publicado na página principal. E lá não está.
Vocês estão pensando o que eu estou pensando? Eu já estou é imaginando o complô dos pesquisadores. Eles ali, em volta da mesa, fazendo conta, refazendo, rodando planilha uma, duas, três vezes até as colunas ficarem certinhas e ali, naquele jogo pesado, doidinhos por uma latinha de coca-cola bem gelada e um hambúrguer chiando de tão quentinho, mas nada. Eles ali, fazendo conta e pensando na mulherzinha deles bem tranqüila, chegando em casa do trabalho, tirando o salto 5,5, jogando a bolsa no sofá e se esticando preguiçosamente na poltrona verde da sala, zen de tudo.
Claro que essa imagem não surgiria impunemente! Com um click, deletaram a informação do relatório. Quatro horas é um exagero! - concordaram todos. E em ato contínuo, um deles já pegou o celular, ligou para mulher e, com aquela vozinha de bichinho carente, foi convencendo a outra a passar no Eddie e levar quatro hamburguers e coquinha gelada para todos. E ela vai, não tenham dúvida, que vamos. Assim, lá se foram as duas horas e meia! Deve ter sido isso o que aconteceu.
E a revolta veio no dia seguinte. Abri a Folha de São Paulo e a pesquisa estava lá. As quatro horas nada! Sumiram misteriosamente. Acho que, para compensar, incluíram um quadro com dados de um outro estudo, de duas economistas da UFRJ, sobre os fatores que têm maior impacto na inserção profissional da mulher. Marido e filhos, segundo as pesquisadoras, são problemas. Não sei o que elas quiseram dizer com isso, mas, enfim, dão trabalho mesmo, só que as alegrias compensam.
Depois, citaram várias estatísticas sobre vários outros aspectos. Eu já estava me achando, né? Afinal, a luta não foi em vão. Estamos conseguindo nos manter no mercado de trabalho, mesmo com salários mais aviltados; estamos conseguindo tocar os afazeres domésticos, mesmo deixando o leite entornar quase todas as manhãs; estamos cuidando bem da família, mesmo que às vezes reclamem um pouco do nosso humor; e ainda arrumamos duas horas e meia para lermos, estudarmos, nos informarmos e assim por diante.
Mas aí veio a grande revelação! Vocês acham, meninas, que chegamos onde estamos por conta apenas do nosso esforço, do nosso empenho, das nossas múltiplas habilidades, da nossa inquestionável competência? Acham mesmo, meninas? Que ingenuidade a nossa! Como fomos ser tão vaidosas assim de acreditarmos nesse conto da carochinha? Nadica de nada disso, meninas! Segundo as pesquisadoras da UFRJ, o item de maior impacto no nosso bom desempenho profissional, aquele a quem ficamos devendo uma, pasmem!, é a máquina de lavar! Isso mesmo. A fantástica, a fabulosa, a insubstituível máquina de lavar!
Meninas, lamento, mas esse é um dado de pesquisa, é o resultado de um trabalho científico, deve estar corretíssimo. Vamos assumir a derrota, perdemos a nossa coroa e o manto de rainhas do lar e perdemos vergonhosamente para um amontoado de plásticos e engrenagens, fazer o quê? Agora, tem uma coisa. Quero ver eles ligarem para uma brastemp e pedir a ela para levar a coquinha e o hambúrguer lá no escritório, porque eles estão mortos de trabalhar e varados de fome! Quero ver!
Um domingão com 16 horas de sossego, além das oito de sono, para todas vocês. Se alguém tentar tirá-las do sossego, sugira docemente que procure a brastemp mais próxima!
Até de repente, mas não tão cedo!
3 comentários:
Ótima crônica!!!
Bjos lindos! :**
Oi Patricia,
De fato, o papel da mulher após tantas revoluções (e espero que continuem) ainda é de difícil aceitação. Aqui no Chile, como todos sabem, é presidido por uma mulher. O Chile, devo dizer, é um país bastante machista e todas as semanas os jornais não perdem a oportunidade de fazer alguma referência a questão do gênero. Chamam inclusive de "Mama Bachelet".
Beijos!!!!
Ai que booooom! Agora me sinto livre! Agora posso viver bem mais q minhas duas horas e meias q foram surrupiadas da pesquisa. Agora sim, posso dizer sem culpa alguma: SOU HUMANA E NÃO UMA MÁQUINA DE PERFEIÇÃO.
Obrigada Brastemp,Consul, Electrolux, LG, GE e é claro, muitíssimo obrigada a esses pequisadores, tão úteis na melhora da minha auto-estima.
Bjs procê
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