quinta-feira, outubro 09, 2008

A vida continua

Indiferente a crise, o cão amigo aprecia a paisagem

Se não estivesse com as malas prontas e reservas confirmadas, acho que iria preferir ficar em casa, escondida debaixo da cama para que essa crise monstruosa, horripilante, beligerante, esquizofrênica e estrangeira nunca me encontrasse. Mas ficaria feio fazer isso, nessa altura da viagem. Depois de tudo combinadim, como dizem lá na terinha. Então, vamo que vamo! Vou tirar a crise do ar e torrar a vontade ou até onde puder ou até onde aguentar. Bacalhau de domingo a domingo, com muito azeite e cebola, regado a vinhos variados e arrematado com porções generosas de pastéizins de Belém e outros docitos similares, é tudo. Tudo o que favorece para a aquisição de mais algumas arrobas, como diz a Clará. Mas, como o tempo das vacas magras se aproxima, vamos relaxar, não é não?

Enquanto isso, vou ficar olhando a crise passar pela janela. Também esse mercado é muito chato. Normalmente já é ciclotímico. Uma hora tá de bom humor, dois minutos depois já ficou nervoso, daí mais um tempinho já acalmou outra vez e depois volta brabo que nem um pitbull e assim vai. E ninguém sabe o porquê de nada. Não sabe, mas fica todo mundo querendo adivinhar para tentar domar o bicho. Ah, ném! Agora, em crise, o mercado resolveu ficar obsessivo. Anda histérico, desorientado, estribuchando quem nem cão raivoso na lama. Espalhando o barro para tudo quanto é lado. Ah, ninguém merece, não é não? Como diria minha avó, me erra, menino. Vai catar gabiroba no matinho e muda de assunto!

É claro que não é nada tão simples assim. O mercado não vai nunca sair por aí catando gabiroba no matinho, não nasceu pra isso. Prefere os gráficos que sobem e despencam desesperados e descompassadamente ao sabor do desatino dos investidores. Portanto, não se iludam, o mercado jamais mudará de temperamento. Será sempre ciclotímico, mesmo sabendo que o caminho do meio, do equilíbrio, das linhas suavemente curvas é que garantem vida longa aos afortunados.

A não ser, a não ser que: em vez de dar a solução costumeira das grandes crises planetárias, que terminam sempre no confronto bélico, nossos líderes, se é que podemos chamá-los assim, encontrem uma saída harmônica, orquestrada, afinada, como sugerem que vão tentar. Mas nem só isso basta. Além de harmônica, é preciso ser inclusiva. Muita mais inclusiva do que gostariam, mas inclusiva. E é preciso ser criativa, inventiva e, como acredito piamente, inovadora. É preciso mesmo reiventar a roda. Mas, antes disso ou enquanto isso, uma medida é fundamental. Ninguém gosta que mexam no seu salário, mas é preciso, urgentemente, restringir o valor do bônus dos grandes executivos financeiros.

Com os prêmios que recebem hoje, quem vai pensar no que virá amanhã? A guerra é no dia a dia. Eles se engalfinham que nem bestas feras para cumprir metas crescentes. Querem resultados já. Não importa como. E nesse afã, puseram no mercado um rolo inteiro de papéis podres. Depois, com a meta cumprida, pegaram seu bônus milionário, encheram os bolsos e foram embora, pousar noutras plagas. É assim que foi e assim que funciona desde sempre. Não que, nessa crise, os governos não tenham tido responsabilidade. Foram omissos nas regulamentações. Não que os investidores não tenham tido também sua parcela de responsabilidade. Foram cegos e gananciosos. Não que os empreendedores não foram também responsáveis ou irresponsáveis. Foram sim inescrupulosos, aceitando operações de alto risco. Mas, foram todos animados pelos executivos showmens. Ou não?

Então, lamento, não vou parar para ficar assistindo esse espetáculo. A vida continua, indiferente aos demais. E eu vou seguir o meu destino, ora pois, pois. Por isso, estarei ausente alguns dias, mas voltarei cheia de novidades. Prometo.

Uma semana boa de pescaria para todos. Deixem o mercado com a sua nervosia para ele mesmo.

Até de repente, quem sabe.

Foto: minha, num engarrafamento de um dia qualquer.

4 comentários:

Anônimo disse...
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Clará disse...

Isso mesmo, Tia Patrícia!

Aproveite bastante a viagem! Depois quero saber tudo. Dessa vez acho que não vai dar pra conhecer Portugal (as passagens não estão muito amigáveis!), mas com certeza quero voltar um dia! Então pode anotar todas as dicas!

E quanto ás arrobas, a vida no Brasil já é corrida o suficiente pra mandar elas embora rapidinho, assim que a gente chega!

bjim

Anônimo disse...

A cada alta do dólar nessa semana me perguntava por você: será que Patrícia vai manter o programa com tamanha disparada? Pois é, mais uma vez pagamos a conta dos coitadinhos que de repente não podem mais ganhar seu milhãozinho em um dia só. Ô dó. Nós estamos acostumados com os apertos. Mas eles, que lástima, precisam ser ressarcidos logo dos seus prejuízos senão piora pra todo mundo, viu. Quem anda de ônibus, come arroz com ovo e tem celular, vai acabar ficando só com o celular.
Coma muuuuuuuito bacalhau regado a azeite e vinho feito em casa e volte bem parruda pra ajudar a pagar a conta desses infelizes. É hora de repartir o bolo.

Anônimo disse...

Patrícia,
Muito atrasada fico sabendo que vc ia/foi para Portugal. Ai que inveja!
E eu que queria ir, que queria virar portuguesa em agosto. Mas era tanto papel, tanto carimbo, que desisti. Vc fez muito bem em dar uma banana para o mercado. É puro fricote de gente ciclotímica, como vc disse.
E trate de postar logo sobre a viagem!
Bjs
Adriana