Só consigo pensar escrevendo. De outro jeito, me confundo toda. Os pensamentos vêm em ondas e se misturam uns com os outros e, no final, morrem na praia. Por isso criei esse blog. Para todos que só conseguem pensar escrevendo. Ou, pelo menos, só assim conseguem dar precisão ao que pensam.
quarta-feira, fevereiro 24, 2010
O espetáculo tem de continuar
Hoje está o ó! Não tem jornal, não tem café na mesa, não tem pão, não tinha internet até poucos minutos atrás. Só resta faltar a brisa fresquinha que bate pela manhã, por pouco mais de 30 minutos, aliviando o calor da madrugada adentro e o que virá no resto do dia. A chuva parou São Paulo, a greve dos motoristas de ônibus está parando Belo Horizonte. Não me espanto com os problemas que estamos enfrentando para lidar com esse nosso dia a dia insano. Me espanta como, em dias normais, tudo isso funciona harmonicamente, fluindo como a água de um rio serpenteando o vale.
Ontem, estava parada num congestionamento e fiquei olhando o formigueiro de pessoas correndo de um lado para outro, entrando na padaria, comprando pão, que, milagrosamente, aparecia prontinho no cesto; comprando o leite que, magicamente, também surgia embalado na prateleira ou uma coca que, da mesma forma, como se fosse geração espontânea, saia engarrafada e geladinha de outro freezer. Fiquei olhando as luzes dos postes se acendendo como um efeito photoshop na paisagem da cidade.
Na pracinha, o zelador aproveitava o sumiço do sol para molhar as plantas que, até elas, andam amarelando com o calor insuportável desse fevereiro. E a água saia na mangueira como se sempre estivesse ali, bastando abrir a torneira. Todos os dias até o fim do mundo. E uma mulher entrando devagar na farmácia, provavelmente procurando alguma pílula que a faça dormir apesar do mormaço sufocante das noites desse verão. E ela entra e, com certeza, vai encontrar a sua pílula, já forjada e dourada, numa prateleira qualquer. Vai encontrá-la, porque também sempre esteve ali, só esperando a chegada de alguém para buscá-la.
Ao mesmo tempo, em qualquer canto da cidade, alguém vai ligar a televisão e as imagens vão aparecer na tela como se fossem sonhos que vagueiam perdidos na nossa mente e, de repente, se materializam em novelas, jornais, filmes e anúncios de qualquer besteira. No momento mesmo em que estava ali, engarrafada no trânsito, alguém em algum lugar, dava descarga no banheiro, alguém acendia o fogão, alguém ligava para outro alguém, alguém tirava dinheiro no caixa eletrônico, alguém procurava um médico no pronto socorro, alguém comprava uma revista na banca, alguém parava no sinal fechado e tudo funcionava, mal ou bem, mas funcionava, porque fazem parte desse mundo mágico em que vivemos onde tudo funciona como deveria funcionar sem que ninguém nos obrigue a levantar às quatro horas da manhã e nos ordene a por em marcha essa complexa engrenagem que faz a vida rolar, um pouco mais ou um pouco menos, mas rolar em qualquer biboca do mundo.
Tudo funciona, como se as cidades abrigassem batalhões e batalhões de anjos invísíveis, operários incansáveis dessa louca invenção dos homens, que são as cidades. Por isso, quando alguém decide, seja por qualquer razão que for, interromper esse fluxo contínuo do fazer-fazer, o que me espanta não é que tenham parado, mas porque só agora pararam!
Inté de repente, quando a vida voltar a fluir!
segunda-feira, fevereiro 01, 2010
Sete vidas
Onde é mesmo que nós estávamos? Ah, sim! Por aí. Outro dia mesmo, por exemplo, estava andando na areia e, enquanto isso, a terra tremia oitenta e tantas vezes no Haiti. Outra hora, estava lá, escondida debaixo de uma sombra, e, enquanto isso, a chuva despencava em São Paulo. Estava tomando uma coca gelada e, do outro lado, a anistia ampla, geral e irrestrita torrava na frigideira. Mais tarde, caçava nuvens no céu, e os Estados Unidos desistia da lua para concentrar seus investimentos apenas no transporte espacial comercial. Cochilava no sofá e ouvia, de longe, muito longe, a voz de Pedro Bial e a musiquinha do BBB. Definitivamente, enquanto andava por aí, não recebi nenhuma boa notícia, mas não me senti culpada por nada disso. É a roda da vida.
Além disso, estava fechada para balanço. 2009 não foi um ano, digamos assim, normal. Os dias galoparam, como sempre. Mas, em vez de correr atrás, que era o que andava fazendo nesses últimos tempos, entrei no clima do horóscopo chinês. No ano do Boi, preferi ficar ruminando no pasto. Resultado: tudo que estava para ser feito ou não foi feito ou ficou pela metade. Num caso ou no outro, não importa, fiquei devedora, mas não me senti culpada por nada disso. Não foi só eu que preferiu passar um ano pastando. Muita gente boa também gostou da ideia. Resultado: virei credora de outras tantas pessoas que, da mesma forma, deixaram coisas por fazer em 2009. Estamos quites.
Mas se essa mesma premissa prevalecer para 2010, acho que já estou atrasada. Segundo meu consultor para assuntos aleatórios, no horóscopo chinês, 2010 é o ano do Tigre, representa a coragem, a potência, a ousadia e a paixão. As previsões são péssimas e fantásticas. Aliás, essa é a principal característica do Tigre: nada é pequeno ou pouco. Tudo tem dimensões avassaladoras. Será um ano explosivo, para o bem e para o mal. Pelo que já vimos, até agora, o melhor é não duvidar, mas também não vou ficar impressionada com essas previsões.
O que imagino é um pouco diferente disso. Para mim, o tigre é um gato grande. É esperto, ágil, veloz, independente e sabe se defender muito bem. Até admito, às vezes é traiçoeiro e feroz, mas não é por acaso. Antes disso, como um gato grande, é dengoso, dócil e leal com aqueles com quem se afina . Mas, especialmente, o tigre, como os gatos, tem sete vidonas. O que isso significa? Significa que pode errar sete vezes mais do que nós, pois terá sete novas oportunidades para começar de novo.
No ano do Tigre, acho que poderemos ousar mais, fazendo tudo diferente do que já fizemos. Poderemos inventar outros jeitos de estar no mundo, inverter as listas de prioridades, experimentar novas cores, novos sabores, novos sons, novas paisagens. Poderemos refazer o que já fizemos, mudando tudo de lugar, inovando, recriando, concebendo novas formas, novas conexões, novos planos. Se der errado, não tem problema, faremos tudo de novo e de novo e de novo, sete vezes, se for necessário.
Por isso, acho que já estou atrasada. Faltam apenas duas semanitas para o carnaval e eu ainda nem comecei a pensar e, muito menos a traçar, meus planos para 2010. É melhor não perder mais tempo, vamos lá 2010! Que venha o Tigre! Vamos todos errar um pouco, quem sabe assim a gente acaba acertando, né?
Até de repente.
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