sábado, outubro 15, 2011

Caro mercado,

Vejam mais fotos aqui


Que o Brasil importa muito lixo, já sabíamos. Quem nunca entrou em um desses centros comerciais populares que estão espalhados por todo o país ou fez uma incursão a uma 25 de março de qualquer capital brasileira ou mesmo passou no centro da cidade e parou na banca de um camelô especializado em variedades - isqueiros, sombrinhas e outros importados chineses? Todos nós já passamos por essa tentação e não resistimos. Por isso sabemos muito bem que o Brasil importa muito lixo. Gasta seus dólares com muita bobagem.

Disso já sabíamos, mas nunca pensei que chegaríamos ao ponto que chegamos: importar lixo, literalmente, e não lixo reciclável, que estaria dentro de uma lógica comercial razoável, embora já tenhamos fornecedores locais muito eficientes. Não, nada disso. O que importamos foi lixo hospitalar, contaminado sabe-se lá de quê. E, como informa a imprensa paulista, importamos lixo para vendê-lo diretamente ao consumidor, sem nenhum beneficiamento.


Lençóis hospitalares, semelhantes àqueles apreendidos no Porto de Suape, em Pernambuco, são vendidos a quilo em uma das principais vias de Santa Cruz do Capibaribe e, provavelmente, são comprados para forrar a cama dos beneficiários do Bolsa Família de algum distrito da região. O mercado, o grande senhor da vida, chegou no seu limite. Rompeu as barreiras territoriais com a globalização e agora extrapolou as barreiras da ética, transformando as misérias particulares em produtos comercializáveis em qualquer carrefour do planeta. Tudo bem, isso não foi agora, já vem desde sempre.


Já acompanhamos denúncias contra empresas que utilizavam na sua linha de produção mão de obra infantil; empresas que utilizavam mão de obra escrava, preferencialmente feminina; que comercializavam produtos de baixa qualidade, maqueados como sendo de primeira e assim por diante. Produtos industrializados ou não. Sob o domínio do capital financeiro, o mercado reproduz essa mesma lógica junto às empresas que operam nesse cassino. A bolha imobiliária que provocou a crise financeira americana de 2008 (!!!) não é fruto dessas mesmas práticas?


Mas a hegemonia da lógica mercantilista nas relações humanas pode estar se esgotando. Desconfio que está. Estou cismada com isso desde que li as primeiras notícias da Primavera Árabe e antes ou ao mesmo tempo, não me lembro mais, sobre os movimentos grevistas na Grécia, que estão em assembleia permanente há quase quatro anos. Agora, mais recentemente, essa cisma voltou com o notíciário sobre os movimentos dos indignados e, em especial, sobre o Ocupe Wall Street que está se multiplicando em outras ocupações pelos estados americanos.


Os doutores sociólogos, antropólogos, psicólogos e outros logos americanos estão perplexos e desorientados. Para eles, o Ocupe não tem significado, porque não existe uma causa que os una. Como assim? Pois é, foi isso mesmo que li em alguns jornais ao passar os olhos no noticiário. Cada manifestante fala uma coisa, defende uma causa, apoia uma bandeira. Lá nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. O que eles não entendem é que existe uma vontade comum, expressa por todos os manifestantes, independentemente da sua origem.


Existe a vontade de buscar, coletivamente, novos caminhos para um mundo que está se deteriorando de podre. Existe uma vontade comum de abrir um debate, um debate público, sobre todos as grandes questões que afetam a vida de todos os indivíduos em particular. Estão convocando a ágora. Estão reivindicando a participação direta na discussão das questões que interferem no cotidiando de todos nós e que vinham sendo discutidas e decididas por meia dúzia de 10, 100, pode ser, grandes empresas mundiais.


Neste sábado, algumas lideranças espalhadas pelo mundo estão prevendo que haverá manifestações em quase mil cidades de 82 países, inspiradas no Ocupe Wall Street. Hong Kong, Taiwan, Japão e Austrália, Itália, Bósnia, Romênia e Holanda já saíram às ruas e, ao longo do dia, pode haver protestos na Espanha, Inglaterra e Grécia.


Isso, minhas amigas, é política e política, caro mercado, não tem preço!

quarta-feira, maio 18, 2011

Cidadãos do mundo, dispersemos!

Já estamos todos carecas de saber que a globalização favoreceu, especialmente, a integração dos mercados, transformando o mundo num grande balcão de negócios. Vende-se qualquer coisa, de bananas a mulheres, crianças, trabalhadores, gorilas, mudas de ervas aromáticas, alucinógenos e qualquer droga que possa ser precificada, ou seja, todas e tudo. Mas como as ondas, que inevitavelmente acabam se espalhando na areia, a globalização também respingou em outras praias. A indústria cultural, impulsionada pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação, se apossou das manifestações mais singelas de todos os povos e transformou-as em produtos de consumo de massa dando-nos a ilusão de termos nos tornado cidadãos do mundo.

Admito que gosto de pensar que o planeta é a nossa casa; que estamos todos no mesmo barco; que somos gaia, partes de um todo absoluto; que somos todos irmãos e formamos juntos uma grande e única família. Mas basta ler uma vez só, em um dia qualquer, as manchetes de capa de um jornal escolhido aleatoriamente, entre os milhares que circulam pelo mundo, que escapamos sãos e salvos dessa doce ilusão. Mais do que isso. Ainda que as grandes mídias e o mercadão do mundo desconstruam diariamente nossas identidades regionais, tentando nos transformar em meros consumidores das classes A, B, C,. D ou E, sobrevivemos à pasteurização da vida e preservamos nossos vínculos locais, cultivando, longe das câmeras, nossas preferências musicais, gastronômicas, literárias e assim por diante.

Por mais que navegue pelo mundo e por mais que esse mundo tenha se tornado um ovo, continuo curtindo adoidado tomar café com pão de queijo, traçar um prato de arroz com feijão e bife de panela e, de sobremesa, queijo com goiabada. Continuo me divertindo com as festas de São João, as brincadeiras de rua – pula maré, rouba-bandeira, queimada, passa anel e pegador. Gosto de ouvir a música que vem dos cafundós de Minas, de sentar na porta da cozinha, de jogar conversa fora e de tudo mais que me torna inconfundivelmente mineira de corpo e alma. Sempre estarei em Minas, para sempre terei vindo de Minas e jamais sairei de Minas, porque não sou eu que estou aqui, é Minas que está em mim, à revelia da grande mídia e dos esforços da indústria cultural.

Estou divagando sobre tudo isso por uma razão, aparentemente, muito banal. Hoje cedo, quando abri o jornal dos mineiros, li o comentário de um jornalista do caderno SuperEsporte que me deixou estarrecida. Sem nenhuma cerimônia e em meia linha, o colunista desqualificou o campeonato regional de futebol, recém encerrado, desmerecendo o título conquistado pela equipe vitoriosa, título que ele considera inexpressivo. E qual título será que ele gostaria que os times mineiros perseguissem? O do campeonado espanhol?

Mas não importa muito quem saiu vitorioso nas dezenas de campeonatos que se desenrolaram por esse Brasil a dentro nos últimos meses. Quer dizer, não importa para o que estou pensando aqui e agora. É claro que todos os campeões são merecedores das justas homenagens. Mas o que torna esses campeonatos formidáveis é, justamente, o que o colunista do jornal dos mineiros ignora solenemente. São as oportunidades que eles criam para centenas de pequenos times locais se apresentarem dignamente a suas torcidas. Escancararem, a cada jogo, a sua identidade, as suas cores, o seu grito, os seus talentos, muitos, inclusive, cobiçados pelos grandes times e alguns até já transferidos para os novos clubes.

O que é bárbaro nesses campeonatos e, no mineiro foi assim também, é que eles são um momento muito especial também para os torcedores. É claro que torci cegamente para o meu time em todos os jogos, mas me emocionava também a torcida adversária. Nessa hora, somos todos iguais. Torcemos com a mesma alegria, o mesmo entusiasmo, a mesma garra, a mesma fidelidade à camisa que escolhemos. A paixão das torcidas do América de Teófilo Otoni, do Ipatinga, do Caldense, do Democratas e de tantos outros é uma prova de que ainda não estamos perdidos.

Assistimos sim, via cabo, o campeonato espanhol, o italiano, o francês e sei lá mais qual. Assistimos sim os grandes times brasileiros disputando vagas no Brasileirão, na Libertadores. Mas o sangue ferve mesmo é quando entramos em campo junto com o time. É quando temos a chance de ir pra rua, de carregar bandeira, de gritar até perder a voz, de rir, de chorar, de zoar, de bater boca e voltar pra casa com a alma lavada. E isso só acontece, para todos nós torcedores deste Brasil a dentro, é quando chega o campeonato regional. Por isso, viva os campeonatos regionais! Quem dera tívessemos também uma imprensa regional, capaz de reconhecer o valor do nosso glorioso campeonato mineiro!

Lá vai Xico, estou voltando. Até quando der novamente.


Foto: Site lapisraro.com.br