Depois do chá de sumiço, tento recolher os farelos de pão e renovar a mesa para novas degustações. De lá pra cá, o mundo não mudou muito, mas a vida ficou diferente. O tempo ficou mais curto, tudo acontece muito rápido e quase nada é digerido. As coisas ficam pra trás, passam e pronto. E a gente segue em frente. Só isso que importa: seguir. Seguir sem volta, porque atrás já vem alguém e outro alguém e mais um e outro mais.
Os espaços, parece, também ficaram menores. Eu, por exemplo, não estou mais cabendo no meu quadrado. Parece que virei Alice e, de repente, cresci de uma forma tão descabida e exagerada que não existe mais lugar no mundo que me comporte. Eu, minhas circunstâncias e minhas memórias. De uma hora para outra, não cabemos mais dentro de casa. Tem um mês que a única coisa que faço é doar roupas, brinquedos, bugigangas e lembranças para quem ainda tem espaço vago ou necessidades carentes. Passo meus fins de semana rasgando papel e tentando me desfazer de livros que já li ou que nunca vou ler só para abrir vazios que possam nos acolher.
De tudo isso, o mais difícil tem sido me desapegar dos livros. Mesmo quando consigo exercitar o desapego, não é nada fácil desfazer-se de livros. Hoje os sebos escolhem muito. Não aceitam qualquer coisa só porque é um livro. Querem saber o título, o nome do autor e selecionam obra por obra, para não ficar com estoque parado. Já falei da dificuldade de um amigo para se livrar dos seis volumes de O Capital. Não conseguiu nem a pau que o sebo comprasse a sua relíquia.
Eu estou apenas começando. Já passei uma Barsa pra frente; a Britânica está prometida para a professora de inglês do meu filho; a coleção de Históra Geral de Will Durant, para o amigo de meu outro filho e assim por diante. Mas os livros mais difíceis de nos desfazermos deles são os livros técnicos. Apesar de serem verdadeiros tesouros, pois trazem conhecimentos especializados sobre temas muito específicos, ninguém quer e você não tem coragem de jogar no lixo. Perto desses, a coleção de O Capital será moleza. Mas seja qual for a dificuldade que encontrarei pela frente, vou enfrentá-la, pois terei de cortar pela metade o nosso acervo de livro. São eles ou nós.
Mas não é só a minha casa que ficou pequena, as ruas da minha cidade também estão mais estreitas. Estão. Em algum momento que não sei precisar qual foi, as ruas da minha cidade encolheram. Só pode ser isso. Antes das férias de janeiro, gastava em média de 15 a 20 minutos para percorrer qualquer um dos meus percursos diários. Hoje preciso de, no mínimo, 45 minutos e, em alguns casos, gasto até uma hora. E não é porque as distâncias espicharam, é porque as ruas estão mais estreitas e não comportam mais o volume de carros que circula pela cidade. Ou será que tem mais carros nas ruas?
Ou será que tem mais gente na cidade? Porque também não sobra mais mesa vazia nos bares, nem cadeiras no cinema. Os hospitais estão superlotados, as igrejas estão abarrotadas, os ônibus circulam com passageiros saindo pelas janelas. É fila pra comprar pão, para pagar uma conta no banco, para ganhar um brinde, para ser atendido no consultório. Hoje, até pra ler jornal tenho de entrar na fila. É fácil?
Por isso resolvi voltar para o mundo virtual. Aqui, apesar de todos os espaços estarem ocupados, sempre tem vaguinha para mais um. Aqui posso duplicar minhas palavras, triplicar, quadruplicar, que ninguém se importa. E ninguém se importa, porque cada um só lê o que lhe interessa, o que não interessa, control/delete nele. Eu mesma, quando acho que estou abusando, dou um control/delete e me livro de tudo que está sobrando no meu espaço em poucos segundos.
Aqui a vida parece mais fácil. Menos emocionante, mais fluida ainda que a vida real, mas sobra mais espaço para todos nós.
Inté.
(Foto: minha)